light gazing, ışığa bakmak

Sunday, July 4, 2010

Shirin, A. Kiarostami

Shirin é capaz de ser o filme mais próximo da poesia que já vi (talvez ao lado ou até antes de Tarkovsky). ou da 'suspension of belief', não a de Coleridge mas a de agora mesmo. o mais indizível é a força dessa imagem interior, a de cada interveniente, delas - actrizes, nossa a fabricar um conto persa com gotas de água, risos, o som dos cascos de cavalos na terra, e essa voz tão encantatória de Shirin que podia ser a outra contadora de histórias, Sherazade. e assim escapamos à morte, como ela. imagens tão frágeis como o ar. a sugestão, trabalho de quem recebe.


quando não fazem a revolução fazem amor, não são as palavras exactas. Farhad dá voz à resistência, o escultor amoroso, o que morre por uma ideia.

em cada momento da narrativa as mulheres (nós) olham -como cantava o coro grego- identificando-se. quem não sentiu já isto. das palavras para as personagens-público para as pessoas-público duplamente, a empatia de quem não esteve já só, quem não foi repudiado, quem não sentiu o cansaço da vida [surge o rosto rugoso de mulher], quem não correu já pelos campos na juventude [rosto de rapariga em esboço de sorriso], quem não odiou a violência, quem não partiu já com esperança e tanta vontade [rosto assertivo com um breve sorriso]. afinal a empatia do humano pelo humano na origem da ilusão do cinema.

"Because women are more beautiful, complicated and sensational. (...) Being in love is part of their definition." responde Kiarostami. se Líbano, que vi há pouco, era uma manifesto anti-guerra, não pode Shirin acompanhá-lo pelo olhar feminino? são três as vozes, que ouvi melhor. a de Nezami, a de Shirin e a voz do olhar -a de Kiarostami, a que fala mais alto.

apagando a história: que nem havia. era um melodrama qualquer, um provocador do 'sentimentalismo' simples, estruturado e convencional como todos os melodramas, escolhido depois da câmara. as emoções, com origem incerta (representadas ou sentidas, dá vontade de dizer, sentir sinta quem lê), de cento e trinta mulheres. a artimanha, o truque, desperta o ah. ah, afinal não era um filme. então de onde vieram as lágrimas. ("I asked them to imagine their own inner film, about love, and show the expression it would provoke.")

truque com origem no início de Ten. de cada vez que me lamentei o cinema podia ser isto, aquilo, blabla, potência perdida (as 'dead letters' de Bartleby): era isto.

"When we are in front of an abstract painting, we have the license to interpret in any way we want. Or music—music is a medium that we might not understand, but that we feel and enjoy. But in the case of cinema many expect to receive a clear and unified message, but what I’m suggesting is that a film could be experienced as a poem, a painting, or a piece of music." (daqui)

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entrevista com Kiarostami aqui. na Ípsilon, aqui. no Guardian. em Tativille.


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agora que releio isto, mais perversa me parece a ideia: I asked them to imagine their own inner film, Kiarostami faz afinal o mesmo que fez o servidor do herói da história, pede a Shirin que imagine o seu filme interior e o projecte naquela imagem colocada para si na floresta. as mulheres de Kiarostami, assim como nós ao sair do cinema, não nos vamos despir no rio, nem os nossos homens vão estar por coincidência à nossa procura na floresta. mas aqui, como na realidade, não há realidade.

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