Pela costa de Portugal
Desde o Havre limitámo-nos a seguir a costa como os antigos navegadores
Ao largo de Portugal o mar está coberto de barcas e de traineiras de pesca
Está de um azul constante e de uma transparência pelágica
O tempo está bom e quente
O sol bate em cheio
Inumeráveis algas verdes microscópicas flutuam à superfície
Fabricam os alimentos que lhes permitem multiplicar-se rapidamente
Constituem a inesgotável provisão a que acorre a legião dos infusórios e das frágeis larvas marinhas
Animais de todas as espécies
Vermes estrelas-do-mar ouriços
Pequenos crustáceos
Um mundo que fervilha à superfície da água toda impregnada de luz
Gulosos e apreciadores
Chegam os arenques as sardinhas as cavalas
Perseguidos pelas albacoras os atuns os bonitos
Perseguidos pelos marsuínos os tubarões os golfinhos
O tempo está claro e a pesca favorável
Quando o tempo se cobre os pescadores ficam descon-
tentes e fazem ouvir as suas queixas até à tribuna do parlamento.
Blaise Cendrars
em Folhas de Viagem
light gazing, ışığa bakmak
Thursday, December 31, 2015
da prateleira
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Ana V.
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Monday, December 28, 2015
da prateleira
sonho de 25 de agosto de 1960
"Numa casa em obras, mostro a alguém que me acompanha o que será o meu futuro quarto: o tecto é de água, que fica suspensa sobre as nossas cabeças como se fosse um tecto verdadeiro. Essa água era extremamente límpida, deixando passar a luz do dia com nitidez. Para demonstrar que se tratava realmente de água e profunda, mergulho no tecto de uma maneira ascendente. Tendo chegado ao que seria o cimo da água, tenho de regressar rapidamente porque o ar me falta. O ar que eu preciso de respirar está em baixo, no fundo, no meu quarto, digo."
Ana Hatherly em Anacrusa.
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Ana V.
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Sunday, December 27, 2015
da prateleira
do capítulo da devolução
Hoje venho dizer-te que morreste e que velo o teu corpo
no meu leito, um corpo estranho e surdo um corpo
incompreensível
aquele desespero que deixou de ter forças para erguer
os portais do outro reino tristeza de menino a quem
tiraram tudo, até a tinta e as flores e o prazer de gritar
esse (foi visto) deve subsistir porque é a tua maneira
de tomar banho no cosmos, olhar o cosmos como os
que ainda podem interrogar as ondas e morrer
mas tu ainda não sabes a que ponto morreste; vais até
à janela, aspiras com cuidado o oxigénio que o espaço
te oferece, apontas rindo a meiga criatura que pela rua
arrasta a sua condição de animal fulminado
depois olhas para mim, olhas as tuas mãos, e elas
ambas, tão claras, tão seguras, são as mãos de um
soldado a arder em febre, aves a percorrer o seu novo
deserto
mas tu sabes, tu viste, e mais do que eu; a mão do
homem é doce e iluminada como a noite como um
rasto de fumo sobre os hospitais
tivemos uma história mas a história foi-se, em fileiras
angélicas e gratas, a fazer a manhã de outras paragens;
outra sombra, outros olhos semelhantes
noutro leito nas nuvens deito os teus cabelos, o teu
cansaço e a minha miséria, os teus braços e os meus,
altos como cidades, altos como flores
parou o automóvel, lá em baixo, e eu não tenho mais
que descer as escadas, fechar ainda a porta do teu
quarto, atravessar de um pulo a minha própria vida
agora posso sonhar até deixar de te ver
belo rio sem lágrimas
Mário Cesariny
em pena capital
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da prateleira
poema
Tu estás em mim como eu estive no berço,
como a árvore sob a sua crosta
como o navio no fundo do mar
Mário Cesariny
em pena capital
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Ana V.
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12:34 AM
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