Desde o "Human Stain" que evito o palavroso Philip Roth. Abro qualquer livro dele e desatam a jorrar palavras, escuras, sujas, incontinentes, sarcásticas. Mas quer eu goste do jorro ou não, Roth é sem dúvida um dos maiores escritores americanos vivos.
Há jornais que são muito mais do que jornais, são marcos. Tenho pena que os jornais portugueses não olhem mais para o lado, ou pelo menos para o melhor lado. Um desses jornais é o Washington Post. Feito o registo gratuito, o acesso é livre. Só a secção dedicada aos livros já vale o meio minuto do registo: tem múltiplas sub-secções, as novidades, as críticas, o poema da semana (um poema por semana), a secção dos velhos livros redescobertos e a secção dos primeiros capítulos de livros que acabam de ser lançados. Mas que lista de primeiros capítulos!
Quando vi que "Exit Ghost" de Philip Roth integrava a lista, tive de o ler. Enfrentando a velhice e as sequelas de um cancro na próstata, eis que seguimos de novo a vida de Nathan Zuckerman, o alter ego do seu criador, agora com 71 anos. Não resisto a pôr os meus "dedos" tradutores / amadores impossíveis no texto do mestre. Um livro ainda "fresco" do prelo, saído em Outubro deste ano.
"Nos últimos onze anos eu tinha vivido sozinho numa casa pequena à beira de um caminho de terra batida no campo profundo, tendo decidido viver isolado assim há uns dois anos, antes do meu cancro ter sido diagnosticado. Vejo poucas pessoas. Desde a morte do meu vizinho e amigo Larry Hollis há um ano, podem passar-se dois ou três dias sem que eu fale com ninguém a não ser a senhora que me vem limpar a casa todas as semanas e o marido dela, que trata de mim. Não vou a jantares, não vou ao cinema, não vejo televisão, não tenho telemóvel, ou leitor de vídeo ou de DVD ou um computador. Continuo a viver na idade da Máquina de Escrever e não faço a mínima ideia do que seja a "World Wide Web". Já não me interessa ir votar. Escrevo a maior parte do dia e muitas vezes à noite. Eu leio quase sempre livros que descobri como estudante, as obras-primas da ficção cujo poder sobre mim não é menor, por vezes é até maior, do que foi nos encontros iniciais que tive com elas. Ultimamente tenho andado a reler Joseph Conrad pela primeira vez em cinquenta anos, mais recentemente a "Linha de Sombra", que eu trouxe comigo para Nova Iorque para dar uma vista de olhos novamente, já que o li todo de uma vez uma noite destas. Ouço música, dou passeios pela floresta, quando está calor nado no meu pequeno lado, cuja temperatura, mesmo no Verão, nunca sobe muito acima dos setenta graus Celsius. Nado sem fato, longe da vista de toda a gente, de modo que se quando saio da água deixar para trás um rasto, uma nuvem de urina que descolora visivelmente as águas do lago, fico pouco perturbado e não sinto nada que se aproxime do desgosto que decerto me destruiria se a minha bexiga começasse a despejar-se involuntariamente enquanto eu nadava numa piscina pública.
"I'd been alone these past eleven years in a small house on a dirt road in the deep country, having decided to live apart like that some two years before the cancer was diagnosed. I see few people. Since the death, a year earlier, of my neighbor and friend Larry Hollis, two, three days can go by when I speak to no one but the housekeeper who comes to clean each week and her husband, who is my caretaker. I don't go to dinner parties, I don't go to movies, I don't watch television, I don't own a cell phone or a VCR or a DVD player or a computer. I continue to live in the Age of the Typewriter and have no idea what the World Wide Web is. I no longer bother to vote. I write for most of the day and often into the night. I read, mainly the books that I first discovered as a student, the masterpieces of fiction whose power over me is no less, and in some cases greater, than it was in my initial exciting encounters with them. Lately I've been rereading Joseph Conrad for the first time in fifty years, most recently The Shadow-Line, which I'd brought with me to New York to look through yet again, having read it all in one go only the other night. I listen to music, I hike in the woods, when it's warm I swim in my pond, whose temperature, even in summer, never gets much above seventy degrees. I swim there without a suit, out of sight of everyone, so that if in my wake I leave a thin, billowing cloud of urine that visibly discolors the surrounding pond waters, I'm largely unperturbed and feel nothing like the chagrin that would be sure to crush me should my bladder involuntarily begin emptying itself while I was swimming in a public pool. "
Ler todo o primeiro capítulo, aqui.
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Outros:
O Velho e o Nobel no Arco do Cego
Muito bom, Extinção no In Absentia
E em brasileiro, Philip Roth Exit Ghost, no Rosebud
Post-Festival Philip Roth n'A Vida de Tiago A
light gazing, ışığa bakmak
Monday, November 26, 2007
O genial Nathan Zuckerman
Publicado por Ana V. às 10:08 PM
TAGS Biblioteca de Babel
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