light gazing, ışığa bakmak

Tuesday, January 8, 2008

Buarque e as suas putas a iludir a noite branca



"Eu era um jovem louro e saudável quando adentrei a baía de Guanabara, errei pelas ruas do Rio de Janeiro e conheci Teresa. Ao ouvir cantar Teresa, caí de amores pelo seu idioma, e após três meses embatucado, senti que tinha a história do alemão na ponta dos dedos. A escrita me saía espontânea, num ritmo que não era o meu, e foi na batata da perna de Teresa que escrevi as primeiras palavras na língua nativa. No princípio ela até gostou, ficou lisongeada quando eu lhe disse estava escrevendo um livro nela. Depois deu para ter ciúmes, deu para me recusar seu corpo, disse que eu só a procurava a fim de escrever nela, e o livro já ia pelo sétimo capítulo quando ela me abandonou. Sem ela, perdi o fio do novelo, voltei ao prefácio, meu conhecimento da língua regrediu, pensei até em largar tudo e ir embora para Hamburgo. Passava os dias catatônico diante de uma folha de papel em branco, eu tinha me viciado em Teresa. Experimentei escrever alguma coisa em mim mesmo, mas não era tão bom, então fui a Copacabana procurar as putas. Pagava para escrever nelas, e talvez lhes pagasse além do devido, pois elas simulavam orgasmos que me roubavam toda a concentração. Toquei na casa de Teresa, estava casada, chorei, ela me deu a mão, permitiu que eu escrevesse umas breves palavras enquanto o marido não vinha. Passei a assediar as estudantes, que às vezes me deixavam escrever nas suas blusas, depois na dobra do braço, onde sentiam cócegas, depois na saia, depois nas coxas. E elas mostravam esses escritos às colegas, que muito os apreciavam, e subiam ao meu apartamento e me pediam que escrevesse o livro na cara delas, no pescoço, depois despiam a blusa e me ofereciam os seios, a barriga e as costas. E davam a ler os meus escritos a novas colegas, que subiam ao meu apartamento e me imploravam para arrancar suas calcinhas, e o negro das minhas letras reluzia em suas nádegas rosadas. Moças entravam e saíam da minha vida, e meu livro se dispersava por aí, cada capítulo a voar para um lado. Foi quando apareceu aquela que se deitou em minha cama e me ensinou a escrever de trás para diante. Zelosa dos meus escritos, só ela os sabia ler, mirando-se no espelho, e de noite apagava o que de dia fora escrito, para que eu jamais cessasse de escrever meu livro nela."

Chico Buarte
in Budapeste



Escrevo-me no ar, nesta mesa de luz. Faltava a pele. E em breve uma nova leitura.

"Written in Buarque's deceptively spare prose, the book is extraordinary for its observations on language, foreignness and love. 'It should be against the law to mock someone who tries his luck in a foreign language,' begins Costa's journey in a strange land. He embarks upon an affair with a woman who mocks him for his poor sentence construction in a language famously described as the devil's tongue. With thoughts of Rio never far from Costa's mind, the story meanders like the unfolding of consciousness." Em "The Lionised King of Rio" no Observer.


O José de Buarque só consegue escrever na pele nesta altura da trama em que procura aprender uma nova língua. Para aprender a língua dos outros é preciso sentir a sua pele, possível leitura. Ou o literal da escrita viva. Ou a impossibilidade e a recusa de escrever para sempre. Ou a rejeição de Deus e da eternidade. Entra-se por vielas complicadas. Melhor ficar por aqui, José só escrevia em corpo de mulher. E não era amor nenhum, nem sexo, embora não escrevesse em corpo de homem. Outra viela, outra rua: o homem que só se expressa através da mulher. Um monólogo porém. E daqui para ali e para ali e para além. Poderia saltar entre espaços durante muito tempo. (E o dia lá fora).

Curiosas são as escritas das mulheres que tirei do grupo bodywriting do Flickr. Menos expressão, mais pedido, queixa. O movimento contrário, afinal, não para fora mas um desejo de "para dentro". Para dentro. H - M.

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The Art of Body Writing: Words on Skin
Words on Skin no Flickr
Body Writing by Mark Velasquez

1 comment:

SCP said...

Gostei muito do texto e das fotos. Soube bem agora que o Algarve está mais calmo, vê-se pouca gente e o tempo convida à introspecção e à leitura.

Passei o dia a ler blogs, mais meia hora a falar de livros com a minha prima que está em Alverca (mudou-se à pouco tempo) e ainda não li mais nenhum capítulo do "Night Train to Lisbon"...

 
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