Na Granta.
Tradução minha, o original aqui.
1ª parte aqui.
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TA - Sabe sempre como soa uma frase de Richard Ford?
RF - Não acho que as minhas frases tenham assinatura. Já ouvi algumas pessoas que acham que sim, mas isso é apenas um gesto para me lisongear. Porque eu tenho a certeza de que não. O estilo ou o modo de uma frase, ou um livro cheio de frases com estilo ou modos, são uma resposta a uma variedade de forças que operam no escritor: a sua relação sensual, instintiva com o próprio material; o acumular de material que precede a escrita; a história do escritor com outros livros que podem ou não ter referido o mesmo assunto, ou livros que o escritor simplesmente admira; as mudanças de maré diárias que acontecem nas energias e estado de espírito de qualquer pessoa. E muito mais. Todas estas coisas afectam como as frases são escritas—quantas palavras têm, a sua complexidade sintática, a sua dicção e todas as escolhas de palavras, o que elas pretendem elucidar. E no decurso de um livro, estas características estilísticas podem mudar e mudam muitas vezes ou modulam-se. É certo que no decurso da vida de um escritor o seu controle sobre as palavras também se altera—ou de livro para livro, assunto para assunto, ou simplesmente à medida que se envelhece. Penso que o Lay of the Land tem frases mais longas e complexas porque a minha mente (a minha cabeça de homem mais velho) estava mais cheia de coisas que me interessam, e eu não queria perder muitas dessas coisas. Então arranjei frases onde coubesse tudo isso e usei-as. Pode dizer que isso foi ambicioso, ou pode dizer que foi mau julgamento ou incapacidade para discriminar. Eu diria que foi ambição porque eu gosto muito do livro—gosto da sua meticulosidade. As pessoas podem preocupar-se com aspectos estilísticos como a "voz": ter uma "voz" consistente, uma "voz" verdadeira, a sua própria "voz". Esta concepção de voz pode ter algo a ver com a tal assinatura do escritor. Mas para mim isso não é muito importante. Para mim, a "voz" é provavelmente apenas a música da inteligência da história, como soa quando está a ser esperta, ou quando está a guiar o leitor. E essa música, como o estilo de uma história, pode mudar e muda. Uma frase do Richard Ford é escrita de modo diferente de uma obra para outra. O que para mim está óptimo.
TA - Conhecia Eudora Welty na sua juventude?
RF - Bem, eu conhecia o seu nome. Em Jackson, conhecia-se. A sua sobrinha era minha colega de escola, a Elizabeth. Mas Eudora tinha crescido mesmo à frente da minha casa, do outro lado da rua Congress e eu não soube disso até bem mais tarde, já adulto. Também não li nada escrito por ela (ou qualquer outra coisa) até estar na universidade e ela estar no currículo de uma disciplina. A Eudora vivia—em Pinehurst Street—não muito longe de nós quando eu crescia. Dava para ir a pé. Mas era num outro bairro da "velha Jackson", melhor do que o nosso. A minha mãe uma vez apontou para a Eudora na mercearia—devia eu ter oito anos. E disse: "Richard, aquela é a Eudora Welty, ali. É uma escritora". Eu percebi pelo tom de voz da minha mãe que ela achava que ser um escritor é uma coisa boa.
TA - Ela escrevia alguma coisa, a sua mãe?
RF - Interessante [a pergunta], pelo menos para mim. Quando eu passava em revista os haveres da minha mãe, depois da sua morte em 1971, eu encontrei um caderno que tinha escrita apenas uma linha, na primeira página, e na letra elegante da minha mãe. Dizia "Les, uma vida". A minha avó, mãe da minha mãe, chamava-se Les—uma versão do seu nome verdadeiro, que era Essie. A minha mãe tomou conta da minha avó durante os últimos anos da sua vida. E não foi uma passagem fácil. A minha avó era capaz de ser terrível e muito agressiva. E sei que a minha mãe sofria bastante com isso. Nós todos sofremos de um modo ou de outro. Mas deve ter parecido à minha mãe que um qualquer acto de escrita—ficcional ou não—era a melhor maneira de registar ou imaginar a sua própria experiência. Penso que também seria por ter um filho que era escritor que isto deve ter começado a parecer possível para ela. Mas nunca o fez—o que está bem. Não queria fazê-lo o suficiente.
TA - Acha que as histórias são criadas ou descobertas?
RF - Isso é fácil: as histórias são criadas. Não é como se elas estivessem ali à espera nalgum hiper-espaço platónico como emails por ler. Não estão. Os escritores inventam as histórias. Pode acontecer que quando as histórias são boas então adquiram uma qualidade de inevitabilidade, de parecer que existiu um espaço anterior e importante onde elas pertenciam antes. Mas isso não acontece. Tenho a certeza. Uma história faz o seu próprio espaço e depois enche-o. Os escritores não encontram as histórias—embora alguns digam que o fazem. Isto para mim significa apenas que eles têm um vocabulário que é inadequado para ilustrar o que eles fazem na realidade. São como o Hemingway—sempre a fugir da complexidade como se estivesse a fugir ao fogo num celeiro.
TA - Eu sempre pensei em si como um escritor do Sul, mas tem insistido em migrar para o Norte na sua ficção. Porquê?
RF - É uma história longa e pouco interessante. O primeiro romance que eu escrevi, A Piece of My Heart, passa-se no Sul porque eu pensava que é isso que fazem os escritores do Sul. Mas eu queria que o meu romance, embora tivesse lugar no Sul, irradiasse as suas preocupações para qualquer pessoa que o lesse—do Sul ou não. Por outras palavras, eu queria usar o modelo sulista para um romance maior do que o Sul. Eu suponho que Faulkner e Flannery O'Connor e Welty eram os meus modelos para isto. Mas quando o meu livro foi publicado e lido, mencionavam-no apenas como o "Romance do Sul". E isso frustrava-me muito, e fazia-me pensar que eu precisava de escrever romances que não fosse vítimas desta categorização. Então, escrevi um romance que se passava no México, e depois comecei a trabalhar no Sportswriter, que se passa em New Jersey e no Michigan. E para além destes livros eu escrevi livros que se passavam em Montana e na França. E assim todo aquele assunto do Sul ficou para mim em repouso. Com isto quero dizer que todo o Sul ficou para mim em suspenso. Mais tarde vim a pensar—mas não quando eu estava literalmente a fazer esta separação—que eu devo ter intuído que todos estes grandes escritores do Sul (Welty, O'Connor,Percy, Faulkner, Styrin, Price, Barry Hanah) já tinham feito o que eu ia tentar fazer e tinham-no feito melhor do que eu era capaz.
(continua)
light gazing, ışığa bakmak
Tuesday, January 8, 2008
Tim Adams entrevista Richard Ford (2)
Publicado por Ana V. às 11:30 PM
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1 comment:
Gostei desta entrevista, tenho de cá voltar para a reler... sou assim,leio depressa e depois volto passado uns dias para reler...
Jimmy
PS. o facto de muitas vezes eu não deixar comentário é, ás vezes, derivado do facto de ser bicho do mato :-)
Jimmy
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