Marina de Albufeira
"Não dão liberdade aos arquitectos portugueses"
parte de uma entrevista do Arquitecto Tomás Taveira ao Mundo Universitário,
aqui na íntegra em .pdf. (Maio 2004)
Mundo Universitário Considera-se um provocador?
Tomás Taveira A provocação está na cabeça de cada um. O facto de eu fazer uma arquitectura não alinhada com o “nacional-fundamentalismo” gera uma reacção natural. As
pessoas normais e mesmo os intelectuais, estão pouco habituados a ter que “ler” objectos que não se enquadram no neo-racionalismo. Pior, objectos que os obrigam a estudar estética e filosofia o que é ainda extremamente difícil, para gente preguiçosa e tendenciosa. Tudo quanto parece diferente é tido como uma “provocação”, o que é manifestamente errado.
MU Nietzche definiu a arquitectura como “música parada no tempo”. Homem, músico, artista plástico e arquitecto, são um e todos o mesmo?
TT Não conheço essa afirmação, mas o homem não é unidimensional e por isso pode ter “descontinuidades” grandes. O facto de alguém ser um bom arquitecto não faz dele um artista. Já o facto de produzir arte, faz com que o arquitecto seja efectivamente um artista plástico, mas mais uma vez há que distingui-lo do “humano”. Há vários homens num só, assim como há vários arquitectos e artistas num só arquitecto.
MU Há uma cultura do risco nos seus projectos?
TT A estética que eu acredito ser a melhor para a construção dos objectos que devem povoar a cidade não é o Modernismo nem o neo-Racionalismo. É precisamente o contrário. É uma estética free style, neo-brutalista e expressionista. Os meus objectos distinguem-se e mostram uma clara rotura com o ambiente da criação arquitectónica portuguesa e não só.
MU Existe um tirania do “bom gosto” em Portugal?
TT O que existe é efectivamente uma marginalização nacional e internacional relativamente a todas as estéticas não modernistas. Quem não é seguidor de Keneth Frampton – o grande divulgador da ideia de que tudo quanto se faz deve ser modernista – não é publicado, não é convidado para concursos internacionais e não é convidado para dar aulas ou conferências em Universidades reconhecidas internacionalmente. Existe efectivamente uma tirania estética –
da qual apenas Frank Gehry se conseguiu libertar -, que em Portugal é mantida rigidamente pelos “polícias” culturais da Ordem dos Arquitectos e pelos cronistas do jornal Público. Assim destaco alguns nomes que têm dado cabo da hipótese da democracia chegar à arquitectura tais como o Manuel Graça Dias, a Ana Tostões, a Ana Vaz Milheiro, o João Rodeia (presidente
do IPPAR) e naturalmente a presidente da Ordem dos Arquitectos (Helena Roseta).
MU Em Lisboa, na altura do grande incêndio do Chiado, defendeu uma renovação total da zona. Não há um risco acrescido nesse tipo de intervenção urbanística?
TT Não tenho por hábito “pessoalizar” as minhas críticas. Muito menos quando está em causa um grande arquitecto [Siza Vieira], que honra tudo e todos. A minha ideia de cidade não conduz a que se abandonem as pré-existências ambientais, mas também não conduz a que haja relativamente a elas uma total subserviência como foi o caso do Chiado. Penso, que uma atitude mais “libertária”, mais inovadora e mais crítica, teria sido importante para manter a vitalidade
daquela área.
MU A Expo’ 98 foi uma oportunidade de renovação da cidade bem aproveitada?
TT Aí está um caso em que sou suspeito. Primeiro, porque o plano geral foi da autoria de um grande amigo e grande arquitecto, o Luís Vassalo Rosa. Segundo, porque eu próprio planeei a zona central. Contudo, a minha parte do plano foi totalmente vandalizada pelo Mega Ferreira
e seus sequazes e das suas intenções resta nada. Como ambiente geral penso que é uma área de
Lisboa onde não me desagradaria viver.
MU Frank Gehry para o Parque Mayer, Oscar Niemeyer como hipótese para a nova Sé de Lisboa. Falta visibilidade externa aos arquitectos portugueses?
TT Há uma tendência “bacoca” para convidar arquitectos estrangeiros. Começou com João Soares, que nada sabe de arquitectura, mas é verdade que eles podem ajudar a pôr Portugal no mapa. Bilbau não “existia” antes de Frank Gehry ter construído o Museu Guggenheim. Por analogia pode pensar-se que os arquitectos estrangeiros podem fazer obras que espantem, porque lhes dão toda a liberdade. A verdade é que aos portugueses não dão liberdade nenhuma.
Muito pelo contrário. Eu, por exemplo, estou há 20 anos à espera que me aprovem um projecto no Areeiro e dez à espera que me aprovem um projecto no Saldanha.
MU Existe ainda algum sonho, obra ou projecto que gostasse de concretizar?
TT Tenho efectivamente vários sonhos e projectos que gostaria de concretizar em plena liberdade, como sejam o acabar a Marina de Albufeira, a malha 5 da Alta de Lisboa (Zona
Central), assim como o seu Centro Cívico e Cultural. Gostaria ainda de participar activamente na construção da nova cidade de Sesimbra.
MU Incomodam-no as críticas, o uso pejorativo da expressão “Taveirada”?
TT Este tipo de expressão tem dois tipos de entendimento. Uma que de facto pode ser entendida como “pejorativa” e será usada por mentes doentias, mas que sentem apesar de tudo a diferença da minha arquitectura face à “outra”, que nem sequer vêem. Outro entendimento pode ser o da comunicação mais fácil entre gente normal, que para mostrar que algo é diferente lhes chama “Taveiradas”. Há assim uma parte genuína e outra doente...
MU Qual é a sua opinião acerca da qualidade do ensino da arquitectura em Portugal?
TT Naturalmente a pior. Não há democracia nas escolas e existe mesmo uma hegemonia – comandada pela escola do Porto. – que impõe que só se ensine uma “estética”. Nem sequer duas. No fundo existe apenas uma escola, já que em todas se ensina sempre a mesma arquitectura,
sem crítica. Isto reflecte-se nas publicações e nas exposições onde as diferentes obras parece serem feitas pelo mesmo arquitecto. Em Portugal todos fazem a mesma arquitectura, para mostrarem subserviência face à Ordem [dos arquitectos]. Vivem num “guetto de Varsóvia”
arquitectónico.
MU Há pouca continuidade entre o ensino universitário e as perspectivas profissionais? Em todos os ramos?
TT As oportunidades de trabalho em Portugal são muito poucas para os jovens arquitectos. Só se salvam os que se “deitam” disciplinadamente com a Ordem, mas mesmo assim não há lugar para todos. Restam as afinidades electivas, as cunhas, os lobbies e a sorte.
light gazing, ışığa bakmak
Tuesday, March 25, 2008
marina de Albufeira
Publicado por Ana V. às 10:56 AM
TAGS Arquitecturas, Photos
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