light gazing, ışığa bakmak

Saturday, April 12, 2008

a pluma pouco caprinhosa

Capricho é o que chamo à vontade do Expresso de manter a Clara Ferreira Alves afastada dos leitores. A Visão mostra por vezes um maior respeito pela opinião de quem publica. A Pluma da Clara é obrigatória e devia ser lida por muito mais gente do que pelos compradores de dois euros e meio de Expresso ou pelos pagantes on-line, porque a leitura é obrigatória; quem vê com maior clarividência do que esta pluma? Esta semana mais um tema que me é caro e de que ninguém fala, nem o Expresso, que a devia pôr em texto inteiro na primeira página do online. E já agora uma tradução para a clarividência partilhada dos falantes de inglês no mundo.

Os Tesouros do Iraque
Clara Ferreira Alves

Numa das salas do Museu Britânico, perto dos centauros alados da Assíria e dos tesouros da Mesopotâmia, existe um mapa com fotografias na parede. Nele se assinala que a guerra do Iraque, as duas guerras e invasões do Iraque destruíram monumentos e vestígios de brilhantes civilizações da região, e que no lugar da cidade de Babilónia existe hoje um campo militar americano. Vê-se na fotografia, numa terraplanagem, helicópteros e soldados armados vagueiam sobre os restos da cidade de Nabucodonosor. Nos desertos de areia e nas montanhas que fazem a fronteira com o Irão, à beira dos rios Tigre e Eufrates ou no Chat-al-Arab, nos confins com a Turquia ou a Síria, em Bagdade ou Bassorá (onde a guerra civil agora alastra entre xiitas), tudo o que constituía a herança patrimonial e arqueológica de uma das regiões mais importantes da História do homem foi destruído, saqueado, bombardeado, queimado, pulverizado. Todos nos lembramos da famosa frase de Donald Rumsfeld quando lhe perguntaram a opinião sobre o saque do Museu de Bagdade, que ocorria ao mesmo tempo que a Casa Branca celebrava mais uma das suas vitórias militares libertadoras dos povos. "Stuff happens", disse o homem que inventou Guantánamo.
(...)
É pena que do Iraque vá sobrar tão pouco, como sobrou tão pouco do Afeganistão, cujas antiguidades e relíquias budistas menores ainda há bem pouco tempo eram vendidas embrulhadas em papel de jornal nos hotéis, antiquários e bazares de Islamabade por milhares de dólares. Muito do que foi roubado nos últimos anos foi roubado por americanos, muitos deles oficiais da CIA que passavam no aeroporto com caixas de alumínio carregadas de tesouros (eu vi, em Cabul) que escapavam ao controlo oficial. E o que sobrar, fora o que os responsáveis e arqueólogos conseguiram esconder, terá de ser recomprado aos privados por estes países espoliados, se alguma vez saírem do atoleiro. Em Nova Iorque, muitos dos artefactos da Mesopotâmia, da Suméria e da Assíria continuam a ser vendidos numa fundação ou num museu de um mecenas generoso. Pode ser que se percam para sempre no labirinto da ganância. Este é um preço da guerra do Iraque de que ninguém fala, para não o comparar ao preço em vidas humanas. Nenhum país pode ser espoliado do seu passado ou da sua história, e os tesouros do Iraque ajudavam a fundar uma identidade comum que hoje se esboroa e se acaba. O Iraque, enquanto país, acabou. O Iraque será pelos menos três países e etnias que disputam uma interpretação religiosa e os poços de petróleo. Cinco anos mais tarde, vir dizer que valeu a pena esta guerra é uma obscenidade moral e intelectual.
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2 comments:

Anonymous said...

Olá Ana,
Concordo contigo sobre esta crónica da Clara Ferreira Alves e sobre a maioria das que ela escreve. Já tenho deixado algumas na minha "casa". Também é claro que o Expresso as abre ao público em geral, mas com uma semana de atraso (vale mais tarde que nunca).
Beijos,

Ana V. said...

Olá, nunca dei por isso, tenho de pôr o RSS a funcionar.. Beijo,
Ana

 
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