"Verificações empreendidas com diligência não tardaram a demonstrar que de facto a maioria dos quadros da colecção Raffke eram falsos, como é falsa a maioria dos pormenores desta narração fictícia, concebida apenas pelo prazer, e pela excitação, de fazer de conta:" (G.P., Un cabinet d'amateur)
Muito bom: George Perec, Visite au cabinet du Falsificateur, de Manet van Montfrans. Quem tem um nome destes? E também Épuisement du roman et expérience du temps dans Un cabinet d'amateur de Christelle Reggiani.
Final de dia para deixar aqui as coisas que Perec gostaria de fazer antes de morrer. A lista parece que a fez um ano antes de morrer com um cancro do pulmão, dos chamados fulminantes. aos 46 anos. (ensaio de tradução rough, minha)
Algumas coisas que eu devia mesmo fazer antes de morrer
Georges Perec
Há em primeiro lugar coisas muito fáceis de fazer, coisas que eu podia fazer agora mesmo, por exemplo:
1. Dar um passeio nos bateaux-mouches.
A seguir, coisas só um bocadinho mais importantes, coisas que implicam decisões, coisas daquelas que, se as fizesse, a minha vida seria mais fácil, por exemplo:
2. Decidir-me a atirar fora um número de coisas que guardo não sei porquê.
ou então
3. Ordenar a minha biblioteca de uma vez por todas;
4. Adquirir alguns electrodomésticos.
ou também
5. Deixar de fumar (antes que me obriguem a fazê-lo).
Depois, coisas ligadas a desejos de mudança mais profundos, por exemplo:
6. Vestir-me de um modo completamente diferente;
7. Viver num hotel (em Paris);
8. Viver no campo;
9. Viver durante algum tempo numa grande cidade estrangeira (Londres).
Depois, coisas que estão ligadas a sonhos de tempo ou de espaço. Não são poucas:
10. Passar pela linha de intersecção do Equador e a linha de mudança da data;
11. Ir para lá do Círculo Polar;
12. Viver uma experiência "fora do tempo" (como Siffre);
13. Fazer uma viagem de submarino;
14. Fazer uma grande viagem de barco;
15. Fazer uma escalada ou uma viagem de balão ou dirigível;
16. Ir às ilhas Kerguelen (ou a Tristan da Cunha);
17. Ir de Marrocos a Timbuktu em 52 dias, de camelo.
Além disso, e de todas as coisas que ainda não conheço, há algumas que gostaria de ter tempo para descobrir:
18. Gostaria de ir às Ardenas;
19. Gostaria de ir a Bayreuth, mas também a Praga e a Viena;
20. Gostaria de ir ao Museu do Prado;
21. Gostaria de beber um rum encontrado no fundo do mar (como o Capitão Haddock no Tesouro de Rackham o Terrível);
22. Gostaria de ter tempo para ler Henry James (entre outros);
23. Gostaria de viajar por canais.
Continuando, há muitas coisas que gostaria de aprender, mas sei que não o farei porque demorariam demasiado tempo, ou porque só as poderia conseguir de forma muito imperfeita, por exemplo:
24. Encontrar a solução para o cubo de Rubik;
25. Aprender a tocar bateria;
26. Aprender italiano;
27. Aprender o ofício de impressor;
28. Pintar.
E ainda, coisas ligadas ao meu trabalho de escritor. Há muitas. São na sua maioria projectos vagos: uns são completamente possíveis, não dependem de mais do que de mim, por exemplo:
29. Escrever para crianças muito pequenas;
30. Escrever uma novela de ficção científica.
Outros dependem de encomendas que me poderiam fazer:
31. Escrever um guião para um filme de aventuras em que sairiam 5.000 kirghizes cavalgando pelas estepes;
32. Escrever uma autêntica novela folhetinesca.
33. Trabalhar com um cartoonista;
34. Escrever canções (para Ana Prucnal, por exemplo).
Há porém outra coisa que gostaria de fazer mas que não sei onde colocá-la, que é:
35. Plantar uma árvore (e vê-la crescer).
E, finalmente, coisas que já são impossíveis de acontecer, mas que teriam sido possíveis há não muito tempo, por exemplo:
36. Embebedar-me com Malcolm Lowry;
37. Conhecer Vladimir Nabokov.
etc., etc.
Há certamente muitas outras.
Páro voluntariamente na 37.
light gazing, ışığa bakmak
Saturday, June 21, 2008
antes de morrer, Georges Perec
Publicado por Ana V. às 8:25 PM
TAGS Biblioteca de Babel
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