light gazing, ışığa bakmak

Monday, July 28, 2008

não queria ser melancólica mas já fui isso também e fartei-me

A mesma praia há muitos anos, praia de santa, com direito a aparição e tudo, uma senhora velada frente a uma dupla de rapazitos pescadores, a pintura muitíssimo naive por cima do balcão, onde a mesma família gere o negócio do peixe à mesa, há pelo menos três décadas. Já vai na terceira geração, a deles e a nossa. Nos toldos palhota o complô português, as mesmas caras há muitos verões. Não os conheço que fui sempre estrangeira, mas os miúdos são implacáveis e em dois dias forçam conhecimentos aos que se querem sós. Os estrangeiros verídicos deitam-se em estátua, um ligeiro mal-estar de quem acabou nas bancadas do clube oposto. Dos outros brancos, há os organizados e preparados com camisolas anti-raio solar, sem gritos nem comoções, eles altos e desportivos, os miúdos acima da média. E há os pálidos que se torram à soleira em dias de quarenta graus em busca de um ideal antiquado de revista. À noite não há sono que vença a dor, por vezes até se visita o médico de serviço, particular, e que fala pelo menos quatro línguas, logo por cima do restaurante indiano. Quem não tem direito ao nome, estrangeiro, são os invisíveis: a brasileira das bolas, o marroquino das túnicas, o africano das pulseiras, a ucraniana dos anéis e até o português que vende bolacha americana. E hoje uma mãe e uma filha, estas de raiz lusa, que desmaiaram a três passos uma da outra. Excesso de sol. E excesso de noitada, diz logo o homem do balcão. Citadinas deslumbradas. Reparei que as melhores mães são as mulheres muito gordas, capazes de guardar debaixo da asa uns filhos mansos e meigos, que serão sem dúvida felizes. Não me incluo, crio só filhos que sabem demais para a sua própria tranquilidade, fomento pesadelos e consciência. A alegria sempre foi avessa ao cinismo. Conheci um homem que passeava nas multidões de domingo, uma quase peregrinação. Não vês? Gente Feliz. Vi, naquela altura vi tudo, até a impossibilidade de ele alguma vez fazer parte do grupo que tanto prazer lhe dava. Mulheres morenas acolhedoras e familiares, miúdos despreocupados e livres, que comem areia e arrancam asas às moscas. Ficam de fora os nervosos das marcas. Relógios de marca, carros de marca, toalhas Benetton na praia. Desses nem vale a pena falar.

8 comments:

Anonymous said...

e eu queria dizer qualquer coisa acerca de....
sento-me sossegadito. leio, sem enfartamentos.
sai uma Pedras para a Mesa
Um hey de boa noite

Ana V. said...

hey! foi mesmo Pedras o que bebi esta tarde..

Anonymous said...

antes beber que fumar (pedras ) ou talvez não.

Ana V. said...

AqUi não HÁ PeDrAS. é só nicotina

bluewater68 said...

Uau!
se puderes ser melancólica de vez em quando, não fará mal. Leituras destas são um privilégio para quem te visita. Adorei.
E deixo-te o link de um blogue que eu costumo espreitar. Alguém que nasceu em Monchique e que agora escreve na paz e sossego do Alentejo
http://floresta-do-sul.blogspot.com/
Beijinhos

Ana V. said...

Blue, é sempre bom ver-te por aí! :) obrigada pelo link. já pensei em fazer umas crónicas algarvias, até ao final de Agosto há ainda muita oportunidade. :)

Ana V. said...

Já lá fui, gostei muito :)

jorge vicente said...

esta é a minha praia

e este é o meu algarve!

o texto está fantástico, soberbo! devias escrever um livro!

um beijo
jorge

 
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