light gazing, ışığa bakmak

Tuesday, July 29, 2008

travel notes continued

É fácil ler a Mulher de Porto Pim. Não o tinha lido antes, mas lembrei-me de "Pequenos Equívocos Sem Importância", o primeiro que comprei de Tabucchi, levada pelo título que ainda hoje me atrai. Uma quase arqueologia dos lugares por onde já andei, encontro as minhas imagens nas descrições alheias. Encontro também esta Mulher, uma história de amor daquelas de faca e alguidar, com uma estrangeira misteriosa e um homem simples, o fado, o amor, a morte final, ingredientes de um fado de Lisboa, nem sei o que se canta nos Açores. O encanto romântico deste "amor" trágico não me pega, pega-me todo o resto e a habilidade suprema que é escrever um livro sobre baleias e conseguir fugir à garra de Jonas e de Ahab. Isso sim, é um feito. E foi conseguido. Colecção de diálogos, notas soltas, citações, apontamentos de quem vai de férias, pelos olhos de quem vê através do papel e das palavra alheias. Um verdadeiro gosto para "bibliofilos, bibliomanos y (outras) bestias libreras". Sem peneiras e sem tratados.

"Era uma minúscula aldeia entrincheirada no cimo de uma falésia e os viajantes não dizem o seu nome: não por descuido, creio, dado que a sua narração é sempre pontual e exaustiva, mas talvez porque ela não tivesse nome. É muito provável que se chamasse muito simplesmente Aldeia e, sendo o único lugar habitado num raio de muitos quilómetros, bastava-lhe, como um nome próprio, um nome por antonomásia. De longe ela pareceu-lhes bonita e de ordenada geometria, como são frequentemente as aldeias de pescadores. As habitações, todavia, pareciam-lhes de forma bizarra. Quando entraram no lugar perceberam porquê. Quase todas as casas tinham como fachada a proa de um barco; eram casas de plano triangular, algumas de madeira preciosa, cuja única parede de pedra era a que fechava os dois lados do triângulo. Algumas eram casas belíssimas, contam os atónitos ingleses, cujo interior pouco tinha de casa porque os objectos - lucernas, bancos, mesas e até as camas - quase tudo tinha sido apanhado no mar. Muitas tinham vigias que faziam as vezes de janelas e visto que davam para o precipício e para o mar lá em baixo, parecia que se estava num barco ancorado no cimo de uma montanha. Aquelas casas eram construídas com restos de restos de naufrágios que os rochedos das Flores e do Corvo oferecerm durante séculos às naus que por ali passavam. Os ingleses encontraram hospitalidade numa casa em cuja fachada sobressaíam, em branco, as letras The Plymouth Baltimore, o que talvez os tenha ajudado a sentir-se como em sua casa."

in A Mulher de Porto Pim
Antonio Tabucchi

No comments:

 
Share