esta cidade também dá gostos. desta vez, adiada a Beatriz Batarda, e com um starbucks na calha, soube da próxima inauguração da exposição WELTLITERATUR – MADRID, PARIS, BERLIM, SÃO PETERSBURGO, O MUNDO! comissionada por António M. Feijó. Terça a Domingo das dez às dezoito, não há que enganar. Abertura dia 30, inauguração dia 1 e uma série de conferências onde tenho pena de não poder estar. Deixo imagens e uma entrevista com o comissário (daqui, em .pdf). e o teaser, aqui.
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Fazer uma exposição de literatura parece uma missão impossível. A literatura expõe-se?
António M. Feijó – Falar sobre literatura em geral é, para usar uma expressão conhecida, como querer beber o Pacífico por uma palhinha. É uma coisa tão extensa que tem de ser circunscrita. Evidentemente, pode circunscrever-se de muitos modos diferentes, pode fazer-se uma antologia da literatura portuguesa desde a época medieval ao presente, por exemplo. Isto parecerá académico, mas talvez seja interessante. Ou então, nas muitas opções disponíveis, excluir algumas logo à partida, literaturas noutros idiomas, por exemplo. Se escolhêssemos esta opção, teríamos o problema da tradução, o que exigiria uma mediação que levanta problemas de outra ordem. Chegámos então a uma primeira circunscrição: literatura portuguesa; depois circunscrevemos isso a um elenco de nomes que inclui alguns dos suspeitos do costume. Evidentemente que poderá haver sempre interrogações sobre “porquê estes?”
Ia precisamente perguntar-lhe, porquê este período e não outro? Porque não o século XVI ou o XIX, que foram importantes na literatura?
A.M.F. – Fosse qual fosse o conjunto de autores, a ênfase estaria sempre na leitura de alguns textos. O pressuposto é de que a leitura pode ser, e é, muitas vezes árdua, mas é também algo que cumula o leitor, se uma pessoa se der a esse esforço. A ideia inicial da exposição passava pela leitura de alguns textos, seleccionados e não casuísticos, entre os quais se estabeleceriam nexos. E depois, os nexos passaram a ser decisivos – a Fundação Gulbenkian tem no Museu o extraordinário quadro de Manet, O Rapaz das Cerejas, sobre o qual há um poema em prosa de Baudelaire em que ele explica o que de terrível aconteceu ao rapaz. Isto é um nexo imediato; evidentemente, depois pode tentar estabelecer-se outros nexos, ecos ou oposições entre os textos que permitam que o visitante progrida pela exposição. O interesse em usar Pessoa é que, por um lado, em Portugal, há um lugar-comum, corrente em pessoas ligadas à literatura, que afirmam estarem cansadas de Pessoa, fadiga esta que parece, no mínimo, bizarra. O outro aspecto é o de que há uma espasmódica apropriação de Pessoa pelo Estado. Esta apropriação é, evidentemente, política e assimétrica: o Estado precisa de Pessoa, mas Pessoa não precisa do Estado. O interesse aqui era colocar Pessoa no espaço vago entre esses dois desamparos e torná-lo algo a ler. Há um défice de leitura notório, há modos de contrariar isso; não sou a pessoa
competente para falar disso, mas há uma actividade solitária do leitor perante o texto que a faz reduto de sanidade ou de ampliação cognitiva. Para um leitor médio, que é o verdadeiramente importante, há muitas surpresas, há muitas coisas muito interessantes ao ler esses textos. Por outro lado, falar de um autor assume muitas vezes que todos os interlocutores concordam no que esse nome próprio denota; ora isto está longe de ser assim: para falar dos mais agudos leitores de Pessoa, o Pessoa de Eduardo Lourenço não é o de José Gil, muito menos o do poeta impessoal e vazio de que se persiste em falar.
Mas esta não é uma exposição só sobre Fernando Pessoa, é também sobre a geração que está à volta…
A.M.F. – É sobre Fernando Pessoa e alguns contemporâneos, alguns previsíveis, como é o caso de Mário de Sá-Carneiro, Almada, etc… mas outros que o não são. Um deles é Teixeira de Pascoaes, sobre o qual há um enorme equívoco, associado como anda à “filosofia portuguesa”, ao “saudosismo”, etc… Sem ser necessário entrar nesse debate, direi que Teixeira de Pascoaes tem um outro lado, de uma audácia especulativa sem igual em Portugal (ou noutro lugar qualquer), que o torna talvez o único par de Pessoa no século XX português. Pascoaes tem, por isso, uma presença importante na exposição. Depois há Camilo Pessanha, que é de uma geração anterior. Clepsidra, no entanto, só foi publicado em 1920, circulando até então os poemas de Pessanha em versão oral. Tomámos o ano da publicação do livro de Pessanha como facto que o faz contemporâneo dos outros nomes. Há um outro autor, Nemésio, que aparece como expoente de toda a grande poesia pós-Pessoa; o primeiro livro que Nemésio reconhece como seu, La Voyelle promise, é, aliás, de 1935, ano da morte de Pessoa. Segundo a cronologia, Nemésio deveria aparecer na última sala. Invertemos esse cálculo e colocámos Pascoaes e Pessoa na última sala, porque a noção de progresso em Arte é impertinente. Pessoa tem mais peso que os outros, mas a apresentação ignora os heterónimos, não por não os julgar importantes, que são, embora o sejam sob uma descrição que não a usual na literatura crítica, mas porque há outros modos de apresentar o Pessoa que não passa pelos heterónimos.
Porquê Weltliteratur para título?
A.M.F. – Ao decidir fazer a exposição sobre literatura portuguesa e sobre uma época específica dela, a ênfase não é paroquial. É exactamente o contrário. Os interlocutores contemporâneos desta geração estão fora de Portugal. Para indicar isso, nada melhor que usar um termo relativamente exótico, criado por Goethe numa altura em que a Alemanha era uma confederação de pequenos Estados, não ainda um Estado unitário. Nessa altura, Goethe via a literatura como alguma coisa que transcendia essa pulverização medíocre. E via o impulso da literatura alemã como cosmopolita. Tudo o que foi feito pelos nomes que estão representados na exposição é cosmopolita, sendo igualmente do lugar de onde vem. O termo em alemão pretende designar isso. O subtítulo da exposição, “Berlim, Madrid, Paris, São Petersburgo, o Mundo!”, é um verso de Cesário Verde, uma espécie de irradiação heróica dessas coisas. O que é interessante aqui é que, quer em Weltliteratur, quer no verso de Cesário, não há referência a Portugal. De resto, o crescendo geográfico do verso de Cesário não inclui nenhuma cidade portuguesa. Era justamente esta tensão que queríamos evidenciar. A tensão entre interior e exterior foi sempre em Portugal objecto de uma negociação incessante. São mais questionados em Portugal, se questionado é o termo, os méritos de Siza ou de Oliveira, para falar de nomes dificilmente superáveis no exercício da sua arte, do que no exterior.
Manuel Aires Mateus – Há também aqui algo a ver com o transnacional. Esta ideia de que a relação com o lugar, com o tempo e com o lugar, assim uma espécie de hipótese de ser local como a única hipótese de ser verdadeiramente global. Essa é uma ideia muito forte da exposição. Eu gosto muito do título porque tem este transporte entre uma língua que nós não lemos e uma língua que nós lemos. É a literatura do mundo partindo deste lugar, uma percepção em que a nossa capacidade foi capaz de a colocar no mundo porque ela é eminentemente deste lugar. Eu acho que isso não é tanto as pontes que foi possível estabelecer, mas um corpo que foi possível deixar, que, verdadeiramente tornado coeso, tornado inteligível, se torna verdadeiramente tão global. Esta exposição é muito interessante, é muito forte. Eu gostei muito da ideia de não traduzir, não explicar outra língua, de ter a liberdade de ter um título noutra língua.
Mas é, à partida, um elemento estranho que vai criar uma interrogação…
M.A.M. – Vai haver esse lado de uma leitura indirecta, porque corríamos o risco de se pensar que era apenas uma exposição sobre literatura portuguesa. E aqui não é assim – a literatura portuguesa é usada porque é capaz de constituir um corpo que explica a literatura. Nesse sentido, esta ideia de balizá-la no espaço torna-a verdadeiramente mais inteligível como global.
A.M.F. – Quando se fala de tradução, fala-se de um tradutor, e presume-se que essa pessoa sabe português numa parte do cérebro e numa outra parte sabe inglês, e que essas coisas estão separadas. E isso não é assim, porque realmente não há pessoas monolingues. Não há uma pessoa que domine só um idioma, mesmo que viva numa comunidade fechada. Há tantas modulações à volta que haverá sempre alguém suficientemente fantasioso para falar de modo particular, e esse modo de falar é um segundo idioma perceptível. Estes autores são autores que escreveram em português, mas dominam tanta coisa exterior a si que é extraordinário perceber a exacta extensão que isso pode tomar. A certa altura aparecem poemas de Pessoa sobre o imperador Juliano, por quem Pessoa tinha uma obsessão. Um outro nome, um dos escassos comparável ao de Pessoa na literatura do século XX, o do grego Kavafis, tinha um interesse idêntico pelo imperador Juliano. Nem Kavafis nem Pessoa sabiam um do outro. Estas pessoas movem-se num espaço mais lato do que o produzido nos idiomas locais de que partem ou exercem.
M.A.M. – Eu acho que esta ideia é sempre uma espécie de utilização exponencial para chegarmos a este nível dos autores de que estamos a falar, eles têm que ter uma utilização exponencial de si próprios. Eles têm que utilizar a sua própria realidade. E nesse sentido eles são portugueses, o que os torna verdadeiramente do mundo. [A.M.F. concorda em fundo.] Porque eles têm que se utilizar mesmo. Gosto muito desta ideia, desta tradução de uma verdade, de limite. Eles são, em simultâneo, obviamente portugueses e obviamente do mundo.
A.M.F. – A exposição é de autores portugueses porque, para a maior parte das pessoas que a visitam, a legibilidade está, em princípio, assegurada. Esta posição está no exacto reverso da insistente obsessão portuguesa com a identidade. Esta insistência não deriva, aliás, curiosamente, como já foi notado, de qualquer défice de identidade, antes de uma hipertrofia da identidade.
E o que é que se vai poder ver na exposição?
A.M.F. – Expor literatura é um pouco estranho porque a literatura existe num suporte diferente. Podemos pensar numa exposição de literatura de natureza bibliófila – livros, manuscritos, etc. (e há exposições interessantíssimas desse ponto de vista)…
Portanto, esta não é uma exposição bibliófila…
A.M.F. – Mas também tem um lado bibliófilo. Podíamos ter uma coisa predominantemente bibliófila ou fazer um jornal de parede em que exibíamos autores. O que tínhamos de tentar ver era se, num espaço suficientemente complexo e intrigante, poderíamos apresentar excertos que fossem escolhidos porque exibem um certo tipo de qualidades que os tornam interessantes. Tínhamos de fazer conviver isso com outro tipo de objectos de natureza mais directamente
iconográfica. Há alguns modos imediatos de tentar fazer isto: se, por exemplo, um poema de Jorge de Sena descreve um quadro anónimo que está no Museu Nacional de Arte Antiga, podemos trazer essa peça, e fizemo-lo, e pôr o poema em presença.
Ou seja, a exposição não vai ter apenas os textos, os livros, vai ter também as obras de arte.
A.M.F. – Exactamente. Tem presentes as obras de que se fala nos textos – pintura, escultura, fotografia; mas também tem manuscritos, vídeos, etc…
M.A.M. – Posso acrescentar uma coisa? A forma como vi esta exposição é que ela é uma exposição sobre o prazer da literatura, a descoberta do prazer da cultura. Este prazer está no enriquecimento e na capacidade de reconhecimento de nexos, na descoberta dessas possibilidades feitas nestas espécie de recorrido que se vai estabelecendo. Eu acho que a exposição é sobre isso, verdadeiramente sobre literatura, porque é um convite à ideia de ler. É um convite a ler aqueles livros, como é que é a frase?
A.M.F. – [Risos.] Há um texto final em que Pascoaes fala dos poucos encontros que teve directamente com Pessoa. Ia num eléctrico em Lisboa, Pessoa entrou e perguntou-lhe, abrupto: “Eu vinha a pensar, Pascoaes, você acha que são mais importantes os livros de que toda a gente fala e ninguém lê ou os livros que toda a gente lê e de que ninguém fala?” Ao que Pascoaes respondeu: “Eu acho que são muito mais importantes os livros de que toda a gente fala, mas
ninguém lê.” E Pessoa responde: “É exactamente o que eu penso.” Este, fielmente transcrito, é o texto final da exposição. O Manuel foi buscar o que é central à exposição, a ideia de que há uma série de autores de que toda a gente fala, mas que pouca gente lê.
M.A.M. – O problema está na descoberta, o verdadeiro prazer está na compreensão. A força da exposição é esta ideia do que é expor literatura porque não é sobre assuntos de suporte da literatura ou curiosidade em torno da literatura, não é sobre o que é a literatura. Por isso é que eu acho que a exposição, o seu tempo, os seus autores (que resultam de uma criteriosa selecção), não são a base da exposição. A base é dizer que com esta matéria eu consigo traduzir a
ideia do prazer da cultura, no caso, da literatura.
A.M.F. – Estou absolutamente de acordo.
M.A.M. – A ideia é que a exposição deve ter vários níveis de leitura e eu penso que não é uma exposição para se ver, no sentido em que é uma exposição que se viu. É uma exposição que não terá passado, a pessoa pode dizer que já cá esteve, mas dizer que viu a exposição vai ser complicado. Acho que é uma exposição que se vai descobrindo. Para nós, tem sido um processo muito estimulante, temos ido descobrindo a exposição com o António, tem sido a viagem mais sofisticada que poderíamos ter e que vai articular muitos níveis de leitura. Vai articular muitas possibilidades de aprofundar as relações com os próprios textos e com os tais nexos de relação. E a exposição também é desenhada um pouco em função disso – de tempos, de nexos e níveis que se estabelecem. Cada sala é desenhada para as temáticas e cada sala é desenhada em função das relações e das temáticas que nós queremos estabelecer. Há uns confrontos mais próximos e mais distantes.
E as pessoas vão perceber esses cortes?
M.A.M. – Julgo que vão. A exposição tem claramente uma entrada que não vamos revelar qual é. Mas podemos dizer que há uma coisa determinante na primeira mensagem da exposição – todos nós escrevemos, o que não faz de nós poetas, e depois saímos da exposição com a certeza de que a literatura nos enriquece. Isto é a entrada e a saída da exposição e isto é a minha leitura do que o António quis dizer. A partir da entrada, estabelecem-se os diferentes níveis de leitura cujo espaço apenas pretende ser um suporte, não pretende ser mais que isso. A relação que nós queremos estabelecer no desenho do espaço também tem a ver com esta ideia do todo e da parte e das partes. Nós temos uma dimensão que varia entre a tal dimensão escultórica e arquitectónica, uma dimensão que encerra ou uma dimensão que permanece, que nós controlamos através da dimensão escultórica ou de uma dimensão que nos envolve, que é a arquitectónica. Há um jogo de ambiguidade nesse sentido e há uma sequência cuja passagem estabelecerá o nexo maior de proximidade ou o nexo de maior distância; isso é dado rigorosamente pela intencionalidade que o António criou para cada sequência, em cada uma das 11 salas finitas ou que estabelece nas sequências que são montadas. A exposição pode ser perceptível como um todo de longe, o equilíbrio da dimensão e o desenho da exposição e depois a escala varia na nossa aproximação. Isso foi um pouco o objectivo.
É um elemento claro na montagem?
M.A.M. – Há uma coisa que me interessa muito na maneira como vai ser montada a exposição, que é a relação dimensional das peças connosco – a maqueta vai ser diferente para toda a gente. Nós estamos mais ou menos na linha limite da possibilidade de visão: há diferentes percepções do objecto, que será percebido dependendo da própria escala da pessoa, do visitante, entre a escala da escultura e a escala da arquitectura. Portanto há um limite de ambiguidade que foi querido e muito discutido com o António. Acho que esse efeito surpresa nunca poderá ser estragado com a maqueta, porque essa relação não é traduzível em maqueta. Ela não apresenta a relação com o visitante, porque é impossível apresentar a pessoa de dentro. A relação não vai ser de maneira nenhuma standard, é de tal maneira no limiar que, dependendo das pessoas, não só pela sua estatura como também pelo tipo de percepção que têm destas questões, a sensação de escala vai ser muito diferente. Acho que é muito pessoal, nesse sentido.
A exposição vai estar organizada em módulos distintos?
A.M.F. – Há um percurso através de 11 salas…
São espaços fechados ou interligados uns com os outros?
M.A.M. – São espaços interligados, tal como a exposição o é. O que é muito forte é que a exposição foi sempre desenhada partindo da ideia que o António tem da selecção feitas de textos e de nexos, para além dos textos. Ou que, já numa leitura dos textos, o António introduziu. É um desenho de leituras quer por proximidade, quer por tensão, quer por óbvias ligações, quer por relações mais distantes que se vão criando a ler a relação dos textos. Eu acho que esse é o grande desafio da exposição.
Esta é uma exposição de ir e voltar? De escolher vários níveis de leitura e de poder voltar.
M.A.M. – Diria que a pessoa pode ler a exposição, estabelecer os nexos mais evidentes e, depois, pode ir descobrindo nexos e essa descoberta é o prazer inesgotável da exposição. Essa capacidade que a exposição tem de ser praticamente inesgotável é precisamente o seu valor. O material escolhido é um material conhecido e a ideia de que a utilização desse material é uma forma de arte, essa escolha do António é um retorno à literatura.
E à própria linguagem?
M.A.M. – O suporte pretende apoiar, mas deixando obviamente à literatura o lado de remeter para si e não para o suporte.
A.M.F. – É exactamente isso.
Há aqui um lado de prazer mas também de descoberta dos textos, às vezes difíceis.
A.M.F. – Há textos muito legíveis, mas também há textos um pouco mais obscuros. Haverá visitas guiadas para alunos e alguns vão ter dificuldades com alguns textos, mas haverá pessoas a explicar muito claramente a natureza da dificuldade. Não estou a dizer que todo o prazer literário passe pela dificuldade, mas não há realmente uso literário alheio à complexidade.
M.A.M. – Eu não vejo tanto a ideia da dificuldade. Eu acho que há níveis diferentes de interacção. Acho que a ideia de fazer uma exposição de literatura e o facilitismo não casam, não têm nada a ver, nem faz sentido. A ideia é que a passagem sobre esta exposição pode ser quase um percurso imagético, no seu limite. Acho que pode ser visitada por um alemão que não perceba uma palavra. Acho que ela pode ser uma passagem sobre a imagem, que eu diria que é a visão mais pobre que se poderia ter da exposição – é uma chave de entrada. É evidente que a exposição não é desenhada para ser aborrecida, pelo contrário, está desenhada para ser um prazer. Esta ideia da dificuldade não o é no sentido de tornar qualquer nível menos interessante, não, é a dificuldade no sentido em que são tão ricos os nexos cujo prazer está nessa leitura. Eu diria que, ou pelo prazer de ver a instalação até verdadeiramente ao prazer de descobrir os vários nexos que se pretenderam estabelecer, acho que é uma exposição de prazer.
A.M.F. – Estou a dizer isto como uma espécie de advertência.
M.A.M. – Eu diria que esta advertência não é colocável, honestamente. Pelo contrário, acho que a exposição é muito, muito divertida. A ideia de ter chaves de descodificação de uma qualquer exposição, de pintura, de escultura, de arquitectura… são absolutamente necessárias e o grande prazer dessas visitas são as descobertas destes nexos. Quantas vezes nós, nas exposições de pintura, vimos ou sentimos coisas que nos dão novas pistas, que nos dão prazer enorme. Por exemplo quando falámos de Jorge de Sena, demos um exemplo ilustrativo, mas nem sempre
a presença da obra será ilustrativa?
A.M.F. – A relação é uma relação que as pessoas têm de criar para si próprias. Às vezes pode estabelecer-se um nexo entre duas coisas que é um ganho cognitivo real. Se uma pessoa gosta de Mondrian e descobre os quadros figurativos com árvores de uma primeira fase do pintor holandês, e percebe que esses quadros em que árvores sucessivamente se despem ou depuram são o germe das abstracções futuras, isto é um ganho cognitivo real. E não é apenas um modo de inteligência histórica. Em rigor, a exposição podia fazer-se com um só texto dos que lá estão. Seria possível pegar só nesse texto e arranjar uma série de objectos à volta dele que o tornassem mais falador.
Será o mesmo que dizer que muitos dos textos que vão estar em exposição encerram uma exposição em si próprios. Há alguma peça-chave sem a qual a exposição não seria a mesma?
A.M.F. – Há coisas na exposição em relação às quais a ausência seria perturbante. É evidente que houve coisas que não conseguimos ter, mas também conseguimos lidar muito bem com isso. Quanto à exposição, se a pessoa quiser, durante uma hora ou duas, tentar descobri-la, pode descobrir muitas coisas interessantes.
E se não quiser ficar uma hora ou duas?
M.A.M. – Acho que a exposição tem também esse lado muito real na vida – é que nós só ganhamos aquilo que damos. Quem não der, não recebe.
light gazing, ışığa bakmak
Tuesday, September 30, 2008
Weltliteratur: “Eu acho que são muito mais importantes os livros de que toda a gente fala, mas ninguém lê"
Publicado por Ana V. às 6:01 PM
TAGS Biblioteca de Babel
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