às vezes satisfazes-te tanto contigo que.. comigo? não, ele com ele, ela com ela. uma espécie de pecado duplo, como torrada com manteiga e geleia. não tens cuidado despistas-te. a rir-se; achas que sim? na linha da frente, frontalmente, na parede da auto-justificação. isso já nem é parede, é uma antepara. de ferro ou de aço, somos mais espantados do que isso. tu espantas-me. já sei que disto não gostas, não gostas de anagramas embora eu pudesse brincar com eles e tinha a sua piada, porque se eu deito torradas ou recito ou me entretenho com charadas não chega. podes falar de tudo, podes fazer acreditar que isto somos nós em diálogo dentro das quatro paredes quando não somos, nem nós nem eles, podes ter preguiça e cuspir horas de entrevistas, a tecedeira, como são vocês todas, e ainda me espantas. eu bem dizia.
É uma antiga rua burguesa com edifícios de primeiro piso de um lado e do outro. Muitos agora devolutos ou abandonados, apenas dois ou três reconstruídos ainda esperam moradores. As escadas de acesso ficam entre casas. Ao cimo, um portão azul avisa da inexistência de um cão. vem cá, o que estás a fazer, palavras cruzadas? não. e daí.
e ela sempre em voz off, por trás e ao lado, à frente, uma voz que não se cala, suave mas ininterrupta, enquanto lhe saem os números por colunas, um, dois, três, até à exaustão. era uma maneira de fazer andar os ponteiros e de estar calada. olhar para uma rua e subir uma escada pode ser apenas outra. quando ela falava apagavam-se os números e a rua. mas não se pode estar sempre assim, conjecturando. também não se deve pegar numa folha branca e misturar tudo. porque, afinal, já aqui entraram três pessoas e nenhuma delas foi sequer chamada. tira a melancolia da voz, fica enfadonho. vou tentar. ela é alta, um pouco branca, e anda como fala, os passos são curtos e rápidos. apressa-se através da página; quando a viramos deixou só um eco e o resto de uma saia. convém que as pernas sejam longas e pouco curvilíneas para que possa entrar e sair a seu belo prazer. gosta de se ouvir falar, obtém prazer por interromper. lá fora, a perícia no uso da verdade preludia chacinas. mas hoje tem por função distrair-me. afinal o que pode interessar a cara de uma mulher? fico-me pela carícia fácil, por enquanto. então pode ser, sai a melancolia, entra o pessimismo puro. deixa-te disso, a vida são três charadas.
acredita-se que as palavras não fazem nada, mas a mulher alta vive delas. há muitas maneiras de viver das palavras. ao cimo das escadas, oculto pelo perpendicular da parede, há outro portão que não é azul e que embora tenha um aspecto disuasor facilmente se abre pelo lado de fora. dou por mim a forçar a alavanca do fecho, ferrugenta e pesada de abandono. dentro, um pomar entregue aos elementos. ouvi dizer que alguém sonhou um jardim fértil em que todas as estações fossem tempo de colheita. o sonho de um agricultor.
tenho uma certa ideia de ti. quando penso em ti vejo-te de determinada maneira, um quase vulto, em pé, a olhar para mim. podia ser um símbolo de ti, ou um ex-libris, se fosses um livro meu. e, como nas imagens dos sonhos ou dos desenhos infantis, não interessa a perspectiva: vejo o teu olhar com clareza na figura indeterminada de vulto.
já resolveste o jogo? diverte-se, como ela, com a incongruência de um jogo resolvido, o oposto de si. já sei que esse homem que subiu a escada e entrou no jardim do paraíso vai morrer, mas ainda não sei como. no equilibrismo de uma grafite fina oscila o percurso sinuoso. e por entre colunas e linhas reparo nela, a mulher branca, momentaneamente alheada de nós, fitando outro espaço.
light gazing, ışığa bakmak
Saturday, September 6, 2008
prreguiçça a
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1 comment:
Poisa na MESA , À sua frente.uma folha de papel em branco e escreve com a caneta estas palavras.Foi.Não será nunca mais.
A solidão reinventada -Paul Auster
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