diz uma desculpando o marido de outra que gosta de lhe bater. "elas só servem para nos dar cabo dos cornos", diz outro.
em "Ganhar a Vida" de João Canijo.
E isto diz Eurico de Barros:
"Omnipresentes nas canções «pimba», nos jogos no estrangeiro dos clubes de futebol e da selecção nacional e numa ou noutra reportagem televisiva mais ou menos paternalista, os emigrantes andaram sempre arredados do cinema português. Uma omissão finalmente corrigida por João Canijo, que foi a França, mais precisamente aos arredores de Paris, e com um elenco inteiramente português (entre actores idos de cá e outros, quase todos amadores, recrutados lá), rodar, em vídeo digital, uma história emocional e visualmente áspera, e impenitentemente, passada na comunidade portuguesa ali radicada.
Longe, muito longe da visão ideal de integração e confraternização propagandeada pelos governos de Portugal e de França, das ideias feitas de quem só vê os emigrantes na televisão ou pelas férias, e sobretudo de qualquer imagem folclórica ou paternalista, «Ganhar a Vida» é o desvendar de uma comunidade fechada sobre si mesma e quase sem vasos comunicantes com o país onde trabalha duro, muito duro, para juntar dinheiro e viver dignamente no país de acolhimento ou voltar um dia a Portugal.
A história de Cidália (Rita Blanco numa composição dramática como nunca a vimos - no cinema ou na televisão) é enxertada por João Canijo neste ambiente estanque onde se fala uma linguagem codificada chamada «françuguês». «Ganhar a Vida» é a tragédia suburbana de uma mulher que quase se mata a trabalhar, e que vê o filho morrer num tiroteio confuso. Determinada a descobrir o assassino, e rodeada de silêncio (francês e português) e portas fechadas por todos os lados, Cidália vai fazer tudo para conhecer a verdade. Mas a verdade é um bem impopular, tal como o é quem a procura de forma insistente. «Ganhar a Vida» é um mergulho até ao mais fundo do ser português, no pior e no melhor, onde João Canijo revela um enorme carinho e compreensão por aqueles que foi filmar. Os que, estando longe da pátria, a representam nos seus defeitos mais ancestrais e nas suas virtudes mais perenes."
Este pode ser um determinado Portugal, uma determinada ideia de Portugal, uma parcela, um certo ponto de vista deprimido e deprimente herdado dos anos de ouro de Salazar. Portugal, julgo, não está aqui representado, mas parcelado. é a fasquia de baixo. o que gostei: da palavra carinho no texto anterior, da cara em branco da Rita Blanco, de todo o filme, do cinema de João Canijo. o que detestei: a luz. a ideia de que "nós" somos isto.
4 comments:
É a tal história de ser a dor que vende, e de sempre sempre sempre acharmos que conseguimos acrescentar um ponto a essa tal história, acho eu. Digo isto e caio no mesmo, olá se caio. Às vezes lá está, vem o gelado a acompanhar as batatas fritas para ter um gosto aos dois, mas há um fascínio universal pela defesa "do pobrezinho" que entendo, em que até entro como todos, o retrato fica mais fácil mais tocante não se diga que não, mas que no fundo me confunde.
Do Clássico à Minoria em uma venda e quatro euros e tal.
e não haver uma civilização redentora que acabe com isso .porque não há ,é uma utopia como outra qualquer .até lá vou vendo este ,o Delfim ,ou o caminho de "o homem que via passar os comboios".
marta, os comentários-reacções a este tipo de filme são do mais básico fora o shopping e o mcdonalds e o ecrã plasma. nem tanto à terra... acho que encontrei malgrés tout, o melhor realizador português ,até ver até ver.
anónimo excelentíssimo, e vês muito mais.
também há o pedro costa, ainda mais radical.
mas nunca vi este filme, só partes. mas, dele, vi este: Noite Escura. nunca mais o esqueci. com a beatriz batarda e a rita blanco, também.
beijinhos
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