light gazing, ışığa bakmak

Monday, March 9, 2009

"Mickey Rourke rises again", salvando quem, pergunto-me


fui ver o Wrestler para ver o Mickey Rourke, meu herói de há vinte anos, rise again. não perdi a viagem, vi isso e muito mais. admito que só posso falar de noventa por cento do filme, porque dez por cento ficaram no casaco do "vizinho" onde escondi a cara em todas as cenas de gore: sangue, agrafos, seringas, lâminas e outros objectos contundentes e cortantes.

Mickey Rourke foi talhado para a personagem ou vice-versa. fez-me esquecer o descalabro de uma tal Orquídea Selvagem que o tinha arredado para sempre do meu ecrã. redimiu-se, ganhou o céu, voltou à terra dos vivos e, de certo modo, todo este vocubulário redentor e iluminado se coaduna com um wrestler que desempenha no novo mundo o mesmo papel que cristo desempenhou para a multidão de há dois milénios atrás. o paralelo não é imediato. a primeira metade do filme passei-o a pensar que nada de extraordinário se passava. um anjo caído, o velho herói que acaba sozinho. só depois de o ver cá fora do ringue, espelhado na cara de uma excelente Marisa Tomei, é que fui entrando na outra dimensão do filme, o seu lado simbólico que se anuncia nas costas flageladas do wrestler. a auto-flagelação está muito próxima de nós, católicos. Randy, o americano polaco, é um candidato bem encontrado para a re-encenação da tragédia original. o seu final será tão apoteótico e igualmente tão simbólico: a cruz, a posição do corpo de braços abertos, o auto-sacrifício "por vós", as velas que ladeiam o espaço do sacrifício e da adoração, o ringue, espaço sui generis. quando um filme aparentemente simples e físico começa a resvalar para outros significados, justifica a sua existência mais plenamente.


outros aspectos, resumidos: Rourke esteve em grande forma, um personagem a quem se entregou totalmente. Marisa Tomei esteve à altura, como a nova Evan Rachel Wood. as imagens deste filme nunca são vulgares, ecoam outras obras de referência do cinema. gostei das cores e dos locais escolhidos, gostei do regressar e retornar aos grandes espaços do vazio, as drugstores, as groceries, os "wide open spaces" comerciais que simbolizam sempre o nada, o despersonalizar. ainda um paralelo com o templo do novo testamento, essa saída tempestuosa da deli section.  não sei nada de Darren Aronofsky mas, depois disto, vou ver.

a questão que me resta, seguindo o paralelo Randy the Ram/Cristo, é a possibilidade infinitamente irónica de também o auto-sacrificado original ter feito a sua cena para o espectáculo e nada mais do que para o espectáculo. 

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