entrando pela porta do fundo novamente, em Yasujiro Ozu pelo último filme, "Sanma no aji", "An Autumn Afternoon", "O Gosto do Saké". e que filme tão fundamentalmente belo.
à primeira vista olhei-o como histórias de fracasso. a incomunicabilidade é geral, os mais velhos que embora se encontrem frequentemente se sentem, cada um deles, sós. os mais novos fecham-se nos seus desejos sonhados. cada pessoa agarra-se a um conjunto de objectos que justifique o correr dos dias, objectos de desejo que fazem passar o presente na ânsia de um futuro incerto em que esse objecto vai ser adquirido ou conquistado. as personagens movimentam-se num espaço quebrado, de linhas e arestas (hommage to the), um quadriculado intenso em todos os interiores e exteriores, sugerindo um gigantesco jogo de xadrez sem sentido e sem final. o que os fixa afinal, o que conta, são os laços afectivos ou a memória deles. todo o filme é o adeus de um pai a uma filha, ou antes, a aceitação da máxima do velho professor, todos estamos sós. uma reflexão sobre o tempo e sobre as combinações aleatórias em que nos envolvemos no decurso desse tempo. inesquecível a cena da mulher e das cerejas. o marido chega a casa para ser logo interpelado por ela, criticado, picado, numa lenga-lenga contínua, enquanto ele exibe todos os sinais do alheamento, um leve e subtil mal-estar que perpassa todas as cenas. a mulher quer mais coisas, frigorífico, carteira, comprar isto e aquilo (o seu encantamento por um aspirador é das cenas mais suavemente irónicas do filme). pergunta ao marido se ele quer cerejas e ele declina. senta-se ela sozinha à mesa visivelmente irritada e come as cerejas com pressa, cuspindo os caroços para a palma da mão. ou não fossem as cerejas o símbolo japonês da natureza transitória da vida.
2 comments:
sōshun
sayo.nara
Ohayou!
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