Manuel Maria Carrilho tem um blogue, o Contingências. Gostei de ler.
"OS FACTOS:UMA LEGISLATURA PERDIDA?
Apesar da clareza destes diagnósticos e do acerto destes propósitos, o que se verifica ao fim de quatro anos o é que não só não se conseguiu inverter a situação de “asfixia financeira” de 2003/2005, como ela se agravou pesadamente. O Orçamento de Estado destinado à Cultura desceu para o mais baixo valor das últimas décadas: 0,3 %. Em contracorrente, note-se, com o notável esforço que em geral se tem feito ao nível autárquico, onde se tem procurado dar continuidade ao que de melhor se semeou no sector ...
Também as outras duas “finalidades essenciais” assumidas nos programas eleitoral e de Governo ficaram pelo caminho: nem se conseguiu dar qualquer “impulso” no desenvolvimento do tecido cultural português, nem se definiram políticas que viabilizassem o “equilíbrio dinâmico” entre os sectores do património e da criação, ou que incrementassem efectivamente a formação de públicos ou a internacionalização da cultura portuguesa.
Para já não falar da atonia e da desorientação que têm marcado áreas tão vitais como as do livro e da leitura, do cinema e do audiovisual, em que não se vislumbram, ao nível da tutela do sector, quaisquer opções, orientações ou políticas. A política cultural tornou-se assim cada vez mais invisível, ilegível e incompreensível, ameaçando fazer, dos anos 2005/09, uma legislatura perdida para a cultura.
Este facto tornou-se ainda mais sério porque foi acompanhado por um conjunto de decisões imprudentes e mal preparadas, que rapidamente exibiram as suas múltiplas consequências negativas. Basta olhar, para o compreender, para as condições - que desafiam o sentido de interesse público - de cedência do C.C.B. para a instalação da Colecção Berardo. Ou para a decisão de construir um inútil novo Museu dos Coches, ao mesmo tempo que os museus nacionais sobrevivem em condições dramáticas e são objecto de um garrote orçamental que, só em 2008, os privou de 72% das suas verbas de funcionamento, deixando-os à beira do colapso. Ou para a reforma da administração do sector (o Prace/Cultura) que, feita sem o necessário conhecimento, estudo e ponderação, deu origem a estruturas mais burocráticas, mais ineficazes e mais dispendiosas, com consequências que - ao contrário do que se pretendia - na maior parte dos casos se revelaram contraproducentes, e em alguns se revelaram mesmo catastróficas, como aconteceu em várias áreas do património.
(Sublinho, entre parêntesis, duas observações: a primeira, é que as notícias sobre o estado de diversos sítios do património consagrado pela Unesco - e não só - são um preocupante sinal de alarme; a segunda, é que a situação que não se resolve com recursos “em espécie” oriundos do sector da construção civil, com vocação e aptidão bem diferentes - como em todo o mundo civilizado bem se sabe - das que exigem a recuperação e a valorização do património classificado.)
Em síntese, são três os pontos que caracterizam hoje a situação da política cultural: um estrangulamento orçamental sem precedentes, uma ineficácia e incapacidade administrativa que se tem agravado, e uma persistente ausência tanto de estratégia global como de políticas sectoriais.
Estes factores têm naturalmente conduzido a uma progressiva descredibilização da acção cultural do Estado, não sendo por isso de admirar que se multipliquem as vozes que põem em causa a própria razão de ser do Ministério da Cultura. Mas se são estes os principais problemas que o sector da cultura enfrenta, o que agora importa é – na perspectiva da próxima legislatura - encontrar soluções para os ultrapassar.
UM ORÇAMENTO PARA ACTUAR
Claro que não se pode ignorar a crise que se tem vivido. Mas ela de modo algum justifica, seja o estado de abandono a que a Cultura tem sido votada, seja o desinvestimento de que tem sido objecto, e que pode provocar - e enfatizo este ponto, uma vez que se trata de uma ameaça real - danos irreversíveis. Pelo contrário, o que seria preciso na actual situação, era valorizar – na linha de todas as posições da União Europeia nesta matéria - o contributo que a cultura pode dar para enfrentar e ultrapassar a crise que vivemos, como de resto foi defendido pelo anterior ministro das Finanças, Luís Campos e Cunha (Público, 28/11/08). É para isso que apontam também todos os estudos internacionais, nomeadamente da União Europeia, sobre o papel da cultura e da criação no pib, no emprego, na coesão, na competitividade. Não reconhecer isto é, hoje, de uma cegueira tragicamente irresponsável.
E valorizar o contributo da Cultura significa ainda ter em conta os diversos factores que, na última década, alteraram muitos dos parâmetros tradicionais das actividades culturais: a inovação tecnológica, a transformação das modalidades de aceso aos bens culturais, os desafios da gratuitidade, o impacto das indústrias criativas, etc. O que deve ser feito tendo bem presente que a qualificação das pessoas exige uma convergência efectiva das políticas culturais com as políticas de educação (do pré-primário à Universidade), de investigação e de ciência, de formação e de comunicação. Esquecer isto é condenar a qualificação como desígnio estratégico, para o transformar num expediente não só ocasional como inútil.
Neste ponto, como contributo para o debate, destaco duas prioridades que me parecem elementares para que a Cultura retome o seu papel estratégico no desenvolvimento do país: um orçamento capaz e uma administração eficaz.
Sem um orçamento minimamente realista, nenhuma política é possível. Por isso, a área da cultura deve ser dotada com 1% do Orçamento de Estado, sendo fundamental que se assuma de um modo absolutamente claro esse compromisso para a próxima legislatura. Essa meta poderá atingir-se gradualmente: 0,6 em 2010, 0,8 em 2011, 0,9 em 2012 e 1% em 2013.
Meta que, sublinho, deverá sem complementada com verbas europeias, na linha do que o POC, Programa Operacional de Cultura, proporcionou ao país entre 2000 e 2008 e que, no quadro do já anunciado reforço das verbas europeias para a qualificação, deveria ascender a uma média de 90 milhões de euros/ano.
E 1% porquê? Ou melhor, para quê? A resposta é clara: fundamentalmente para assegurar as responsabilidades de serviço público, que são a verdadeira razão de ser do Ministério da Cultura, e que são sobretudo duas: as suas responsabilidades estruturais e as suas responsabilidades estratégicas.
RESPONSABILIDADES: HISTÓRICAS E ESTRATÉGICAS
No campo das responsabilidades estruturais estão as de assegurar um digno funcionamento de instituições nacionais da maior importância para o país, como a Biblioteca Nacional, a Torre do Tombo, a Cinemateca Nacional, os Teatros Nacionais de São Carlos, de D. Maria II e de São João, a Companhia Nacional de Bailado. Ou, ainda, de instituições como as Fundações de Serralves, da Casa da Música e do Centro Cultural de Belém.
No âmbito das suas responsabilidades estruturais estão a de garantir a manutenção e a valorização do Património Classificado, nacional e mundial, assim como da Rede Nacional de Museus. Sem esquecer o seu papel, em todo o território, na Rede de Leitura Pública, na Rede de Cine-Teatros e na Rede de Arquivos.
Por sua vez, nas suas responsabilidades estratégicas destaca-se a obrigação de assegurar o apoio à criação artística nas suas diversas áreas, nomeadamente naquelas em que o mercado português - dada a sua dimensão - tem mais dificuldades em sustentar a continuidade e a qualidade das suas actividades: o teatro, a música, a dança, as artes visuais, o cinema, o audiovisual, a edição. Bem como a de garantir um esforço regular e eficaz da sua internacionalização, seja no âmbito lusófono, na dimensão europeia ou numa perspectiva mais global.
PREPARAR A MUDANÇA
Mas não basta garantir a progressão até 1% do Orçamento de Estado para alterar a ambição e a eficácia das políticas culturais do Estado. É também absolutamente necessário que simultaneamente – é a minha segunda sugestão - se reformule a administração dos seus sectores fundamentais: o património, as artes cénicas (música, teatro e dança) e as artes visuais, o cinema e o audiovisual, o livro e a leitura, a acção cultural externa.
Só com estes dois novos instrumentos, um orçamento capaz e uma administração eficaz, é que se poderá definir uma estratégia global de afirmação da cultura na acção - interna e externa, nacional e local - do Estado. Só assim se poderá avançar com políticas sectoriais que, bem articuladas e calendarizadas, a concretizem: uma política do livro que promova a diversidade da oferta editorial e o reforço geral da leitura, uma política do património com vista à sua valorização, conhecimento e usufruto, uma política das artes que estimule a criação e promova a internacionalização das obras, dos autores e dos valores da cultura portuguesa. Só assim se reunirão as condições para se estabelecerem parcerias credíveis e para se promover um mecenato empenhado.
Concluindo: é urgente mudar."
não posso é concordar com o que se refere à Colecção Berardo, por razões óbvias. Infelizmente a uma legislatura perdida vai-se seguir, sem qualquer sombra de dúvida, outra igual. as Câmaras Municipais por vezes conseguem ser os monges irlandeses do nosso país. mas não há milagres.
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