light gazing, ışığa bakmak

Thursday, September 17, 2009

Gao Xingjian e o dilúvio


One Man's Bible deve ter sido o livro que mais me custou a ler nos últimos dez anos. desenrolei-o como uma missão até à última página na esperança vaga de encontrar mais do que as diletâncias eróticas de um exilado chinês em Paris e do seu permanente olhar para o umbigo. não encontrei, e acabou por ser outra variação da travessia dos Alpes de Aníbal e dos seus elefantes, com a desvantagem da menor relevância do conteúdo. 'ganhou o Nobel', dizia-me, e continuava a escalada, sabendo que provavelmente deveria ter pegado em Soul Mountain. entrar pela porta lateral tem por vezes grandes desvantagens. aliás, memórias mais ou menos ficcionais de um passado don juanesco dizem-me nada ou pelo menos não me dizem nada de agradável.


afinal reencontrei o autor, maneira de dizer, no Museu de Arte Contemporânea de Sintra. reconheci o nome e entrei, com a vantagem da entrada livre que torna o acto de ir ao museu mais barato que o acto de beber uma bica. se bem que algumas imagens, como as que invocam olhos, ou outros tipos de "espiritualidade", como a palavra é agora usada, não me tenham agradado, os gestos da tinta da china foram das coisas mais interessantes que vi ultimamente. comparando com Bella Tarr, há um universo de diferença ainda dentro do preto e branco. do espartilho e dos ângulos duros para o espraiar da água. e embora Gao escreva longamente sobre as suas próprias imagens, prefiro-as sem palavras. ou as palavras sem imagens.




tinha sido Depois do Dilúvio. daqui para uma sala de educação visual vazia. em cima de algumas mesas, uma meia dúzia de tabuleiros sobre os quais estão dispostos legumes. uma cenoura, uma parte de couve lombarda, e outros. cada tabuleiro tem os mesmos legumes, mas a disposição é diferente em cada um. e em painéis dispersos pela sala, imagens de Giuseppe Arcimboldo. depois ou antes do dilúvio, um no céu, outro na terra.

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