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na estrutura de Calatrava, as gaivotas mantêm a vigia aos comboios, gaivotas que viam passar os comboios, esperando que com mais sorte que Popinga. (aqui a raspar) pela simples disposição das coisas é possível viver uma vida numa casa de que nunca se viu pelo menos uma das paredes. preciso de casa? ou posso intui-la pelas fachadas dos outros, guardar os detalhes das varandas e torná-los morada. impulsão e um exército de camiões que nunca foram mexicanos e que por isso estavam em silêncio. num condomínio de cinco apartamentos uma piscina empacotada entre armazéns industriais, a linha férrea e o ruído da auto-estrada dez metros acima, pelo sonho de uma vida melhor. uma viagem invertida, quando se sai. ali naquele troço de linha os passageiros entram na sala e cumprimentam, sujam o chão com os seus sapatos, e deixam um rasto de fumo e carvão. apeiam-se os turistas de mochila e levam a coisa fotográfica, picando imagens tão azuis como os campos azulados de sede. nunca tinha visto campos azulados. na beira do olival, ainda à sombra, a roulotte e a banheira esmaltada de branco com pés de leão. é o campo. há bagas vermelhas na planície. cá dentro abro um pacote de Lays e crac crac, o barulho dos dentes insuportável como o das conchas. uns tentam dormir ou não pensar em nada ou pensar nalguma coisa. os comboios também morrem e as suas ossadas vermelhas como as bagas estão no Entroncamento. o filme rural vai passando ao ritmo do carril-frame, velhas a remexer nos torrões, plantas em meias garrafas de água, begónias. o autor está sentado na cadeira ao meu lado, famoso. a cada paragem estremeço, com receio de ser obrigada a levá-lo ao colo. e a certa altura crac, o sol no vidro e lá estou eu, afinal existo, uma sombra na paisagem. subir a linha como se sobe o rio para o interior da selva (smell of napalm), os passageiros silenciosos dormem, as máquinas crac crac. begónias e o crescendo das casas. por fim o vale onde dorme um rio. domingo langoroso em Alfarelos.