light gazing, ışığa bakmak

Thursday, November 12, 2009

Sobreiro



onde fica o reino de José Franco. mas antes de lá chegar posso garantir que o caminho entre Vila Verde e Mafra, passando a Ericeira, Pobral, Santa Susana, Terrugem, é uma das estradas mais ofuscantes que conheço, agora, passados quase quarenta anos a fugir aos estrondos dos foguetes. fui pronta para os moinhos, a nora, a água a correr, o pequeno parque, o elogio do mundo saloio que é o meu, o moleiro, a taberna, o forno do pão, os altares, um zé povo disforme e desgraçado. as lareiras, os móveis e a pedra decorativa. milhares de abóboras ao sol, os muros de pedra. a casa que é casa no primeiro, oficina nas traseiras, loja no rés do chão e horta no quintal. com os cães à porta e os sinais visíveis de que aqui fez-se pela vida. o orgulho da mobília de sala. arroz doce amarelo em cima da renda crochetada. engraçado que Portugal parece estar finalmente na moda. desde o Kiosk. ao mais português livro de receitas que comprei pelas imagens. e a Vida Portuguesa e os quiosques. o que está na moda é saudosista, ingénuo, datado e talvez repescado para devolver o sonho campestre ao cidadão que irremediavelmente se perdeu na cidade subúrbio de outros países onde ainda se julga que aqui isto é assim, é possível a possibilidade de, ainda se faz desta maneira, ainda, ainda. somos uma espécie de paraíso por perder de algibeira. a velha europa pobre mas simples e honrada a um clique de distância.


não tenho nadinha contra, acho bem. eu também quero uma gamela de madeira e uma mão de cera. e feitos os devidos desvios, rachada a lenha, não há como sublinhar o cheiro intenso da casa da minha bisavó e que comprei para pôr num saco de papel pardo, o pão saloio do Sobreiro. outro sublinhado para as irmãs de sangue Fátima e Natália que asseguram a pintura das peças cerâmicas da olaria José Franco. não está para acabar nem por sombras, está para continuar por gerações. gostei de falar disto e do barro e de como se fazem moinhos. não vou dizer o que é nacional é bom como não diria as flores azuis são melhores do que as amarelas. melhor é uma palavra detestável em quase todos os contextos. e acabar na praia onde morre o rio Lizandro.

3 comments:

Berlino said...

Li com atenção o que escreveu, Ana. E pus-me a pensar. É que o Portugal saloio e falsamente idealizado do José Franco irrita-me enquanto iconografia nacional, enquanto "olhem como somos nós, os portugueses". As estátuas dele não; não me irritam. Gosto de muitas, mas isoladas, como peças, não como conjuntos. O que me irrita é que nos revejamos no Portugal José Franco, que nos pensemos "assim" daquele modo, e eu constatei (quando lá fui) que muitos dos visitantes se embasbacavam, se deleitavam ao encontrarem naquele mundo de barro o seu mundo de verdade. Ou, pelo menos, assim me pareceu. Sabe? é um pouco como nas telenovelas. Também há muito gente que diz, sinceramente, que a vida é assim, uma telenovela. Eh no! Eh no! Como diria o grande Totò quando queria distanciar-se de algo que o irritava. Não. Portugal, de facto, às vezes parece de barro. Mas não é. Eh, no! Eh, No!
Feliz a fotografia da mó que, além disso, tem um belo título.
Have a good day. Ohpps!
Berlino

Ana V. said...

Há aqui vários aspectos, Berlino. Este mundo saloio que refiro não é Portugal mas uma zona delimitada geograficamente (Sintra de onde sou e Loures), que quanto ao Portugal salazarento assaloiado estamos de acordo. O curioso é o que passa de Portugal para o estrangeiro, ou seja, o que está na moda lá fora e que, de certa maneira, pega nesse parolismo que nos habituámos a desprezar e o torna original, vendável, trendy, biológico e cool. Um pouco como faz a Catarina Portas cá dentro. Ou seja, um modo muito interessante de retirar o moralismo e o contexto castrador católico e olhar para as mesmas coisas de um ponto de vista moderno, comercial e mais livre. Foi um pensamento.. (e viva o Totó :))

Anonymous said...

para quem traça linhas ...o que era parolo no passado é tão giro hoje ,a vida portuguesa é tão gira porque o kitsch se tornou tão giro ,porque o jeff Koons vendia bonecos kitsch por uma fortuna , o pop há muito que namora o kitsch ,as camisas da mocidade portuguesa até eram bem bonitas ,mas mais estilizadas do que as coisas populares ,o fascismo descontextualizado e reduzido a uma questão de gosto nem era assim tão mau ,o de Salazar era pior por ele ser um parolo com aspirações a ser saloio (talvez ) a vida portuguesa não me atrai muito ,nem os bonecos populares por serem da autoria de uma tradição empobrecida ,algumas coisas são muito boas ,alguns tapetes de arraiolos ,alguns bonecos da rosa ramalho ,outros não valem nada e são muito apereciados por levarem o selo de artesanal e tradicional e ...e ...alguns produtos do design indústrial são fracos ,por isso só vendo caso a caso ,nem tudo que é pop brilha .

 
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