light gazing, ışığa bakmak

Thursday, December 30, 2010

céu da boca

"na introdução de referências a pormenores autobiográficos que, sendo desconhecidos do leitor, são espaços herméticos pelos quais alguns têm querido espreitar e penetrar, procurando descobrir esses pormenores em testemunhos dos que conheceram o poeta, ou em cartas deste, aplicando-os a este ou àquele verso, a este ou àquele poema, não se rendendo à impenetrabilidade de versos e poemas inteiros, ao segredo que o poeta quis que eles fossem, quando a incomunicação é acaso a leitura final desses versos ou poemas, que são a expressão de um mistério, de um desejo ou de uma incapacidade de comunicar ou dizer tudo." no Prólogo de José Bento à Antologia Poética de César Vallejo, sobre o caso de coscuvilhice literária que tenta, tantas vezes, ligar versos a biografias [essa personagem não foi de avião por razões da autobiografia: Sam Shepard não voa nunca, não gosta de aviões]. e depois?, apetece dizer.

À mesa de um bom amigo então comi
com seu pai a recém-chegar do mundo,
com suas tias decrépitas que falam
em grisalho repintado de porcelana,
cochichando por seus alvéolos viúvos;
e com talheres efusivos de alegres tiroliros,
porque estão em sua casa. Assim, que graça!
E doeram-me as facas
desta mesa em todo o céu da boca.

parte do poema XXVIII do livro Trilce (1922), título inventado, diz o próprio, que gostou da palavra. lá fora está escuro e cinzento e começou a chover outra vez. nós temos o céu dentro da boca, quem fala inglês tem um telhado.

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