"Cegos somos, num certo sentido e em certa medida, todos, apesar de termos olhos para ver. Uma vez encontrei numa rua qualquer um cego, que me surpreendeu pela sua calma, assim como a sua harmonia, a sua completude, a sua aceitação do próprio destino. No quadro de Bruegel [Os Cegos] vemos homens cegos a baterem-se, procurando avaliar as cabeças que o merecem. Isto passa-se numa aldeia, à noite, representada de um modo perfeito. Pode dizer-se que toda a humanidade dorme a esta hora, nos seus quartos e nas suas camas e no meio de todo este silêncio estes homens vagueantes levam a cabo uma luta que se pode crer ter sido única. Terra abençoada pela luz, o que é que és? Homens que têm o privilégio de povoar esta bela terra, quem sois, de onde nascem e provêm vocês? Esta deveria ser, em boa verdade, uma questão banal, ainda que sonante.
(...)
Querido Leitor, não tens nenhuma razão para estar contente, quase radiante, primeiro por não teres de deambular por aí cego, segundo por não te veres obrigado a cometer ou a sofrer actos de violência e terceiro por não sentires picadas de punhais de cada vez que te mexes? Dedica antes aos cegos, uma vez por outra, uma breve reza, em vez de te revoltares com pequenos detalhes que te incomodam e pensa, de tempos a tempos, para teu próprio regalo espiritual, no pobre homem no armário de ferro, se é que te atreves sequer a preocupar-te contigo próprio."
Robert Walser, em Histórias de Imagens.
estes não são os cegos que se guiam uns aos outros, são os cegos que se agridem, mesmo estando de mãos dadas.
light gazing, ışığa bakmak
Monday, May 9, 2011
um ensaio sobre a cegueira
Publicado por Ana V. às 9:19 PM
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