light gazing, ışığa bakmak

Sunday, July 10, 2011

samarra (2)

perdia-se. perdia-se nos pensamentos e saía deles como do sono.

Pla nunca escreveu no registo romance [expressão tanto não-minha]. escrevia o que via, não a realidade, o que via.

as mulheres agacham-se nas rochas, na rebentação, na areia, e recolhem moluscos olhando para baixo toda a tarde. depois entram na água e gritam com o arrepio gelado, gritam a rir. os homens passam o dia no pico das arribas, à beira do abismo com a sua parafernália de instrumentos. no que pensam, ali de pé, pensam em frases técnicas, pesqueiro, fundão, coroa. o que pensam.

as pedras das nossas praias são vivas e por isso têm nomes mais antigos do que os meus avós. aqui há o cavalete ao fundo da paisagem, por entre as vagas atlânticas. por baixo da pedra do robalo juntava-se a família, fazia-se fogo e cozinhava-se, com salpicos e sal.

na praia desagua um ribeiro que no verão se enche de flores de água, rãs e girino, união de dois ribeiros, o que nasce em Cortesia e outro que vem desde Odrinhas. vinha com o meu avô, contou o homem. olha os polvos, menino! no fundão em frente à nora dois foram e não voltaram em busca de um fundo que ninguém encontrava.

ali moram pintassilgos.

há quatro mil anos, um grupo de pelo menos setenta pessoas foi sepultado num degrau a três metros do cimo da escarpa. hoje é dia de morte.

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