um filme violento, como é sempre que se personaliza e se mostra de perto (de muito perto aqui, em grandes planos e a preto e branco sem som -quase- para além da música de Ligeti) casos de todos os dias, que sucedem todos os dias e sobre os quais não se verte um pensamento. se eu falasse com voz de real politik, que abomino, diria que isto não é nada, não se passou nada, nenhuma violência física, nenhuma personagem (pessoa) é intrinsecamente má -pelo que não há vilões-, não há guerra nem mortes nem feridos. esses sim, diria a tal real politik, seriam casos de lamentar. ["Para a realidade de hoje, que importância têm as expulsões em aeroportos? A imagem dos corpos de africanos mortos no mar antes de chegar à fortaleza Europa tornou-se tão banal que os interrogatórios e expulsões diárias em aeroportos parecem um assunto leve", texto do site do filme]
como esse pseudo-realismo sujo não se me aplica, gosto de pensar que Viagem a Portugal coloca sob as luzes alguns temas, ou questões, interessantes: que liberdade é a nossa na realidade, qual o limite da dignidade, qual o nosso grau de mesquinhez e de preconceito, como descansamos ausentes de responsabilidade pelo mundo lá fora, que sociedade somos hoje. enfim, podia continuar.
os argumentos humanistas e de preocupações solidárias fazem sempre parte do meu núcleo de preferências. esta Viagem é uma sequência natural de Lisboetas, que se estilizou, se reduziu a poucos elementos em cena e se expurgou de elementos 'exóticos' associados normalmente à pessoa estrangeira. aqui o estrangeiro deixou de o ser e podemos simpatizar abertamente com ele. a este propósito, curiosos os outros dois casos escolhidos para servir de moldura, o do brasileiro de sexo alterado e o da família que se quer reunir.
de resto gostei de todos os actores, das imagens, da música. gostei menos das pausas em branco.
(falta-me a Cidade dos Mortos, que queria tanto ver, até porque se baseia numa ideia imensamente poética)
o site.
também do site, o que se pretende ser uma Plataforma de Direitos:
"«Em Novembro de 1999, ao regressar da Finlândia, onde tinha participado numa cimeira sobre direitos de imigrantes, fui interpelado pelos agentes do SEF do Aeroporto de Lisboa. Após um penoso interrogatório de várias horas, disseram-me que eu não poderia voltar a entrar em Portugal, por não ter o meu visto em dia, e que ia ser recambiado para o Senegal daí a poucas horas, num voo da Royal Air Maroc.
Eu já vivia em Lisboa há vários anos; possuía um bilhete azul de cidadão estrangeiro válido até 2014 e tinha apresentado um pedido de renovação do meu visto de estudante. Só ainda não tinha recebido resposta a esse pedido.
Expliquei tudo isto à polícia. Eu sabia que enquanto não fosse recusado o pedido de prorrogação do meu visto de estudante, estaria, para todos os efeitos, em situação regular.
Era domingo. Face à minha argumentação, o inspector produziu no próprio aeroporto uma notificação de indeferimento do meu pedido de prorrogação de visto. Entregou-me o documento redigido por ele e pediu que o assinasse. Naturalmente recusei. Disse-lhe, primeiro, que ele não me podia notificar na zona internacional do aeroporto de uma decisão administrativa tomada em território Português; segundo, que, não sendo um acto judicial, ele não me podia notificar de uma decisão administrativa num domingo; terceiro, que, mesmo na hipótese remota de o meu pedido de prorrogação de visto vir a ser indeferido, eu ainda teria direito de recorrer da decisão.
Não era o que estavam acostumados a ouvir e não gostaram. Ao fim de oito horas de discussão, e depois de uma forte pressão mediática da Associação SOS Racismo, consegui um visto especial de 72 horas (quiseram obrigar-me a pagar esse visto, mas eu recusei por que não tinha pedido visto nenhum!), juntamente com um notificação de apresentação no SEF, na segunda-feira, para conhecer a decisão de indeferimento do meu pedido de prorrogação de visto. Ainda estou aqui!"
aliás, urgente ler a secção Enquadramento no site desta Viagem a Portugal.
muito bom, excelente.
light gazing, ışığa bakmak
Sunday, July 3, 2011
Viagem a Portugal, Sérgio Tréfaut
Publicado por Ana V. às 8:18 PM
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