"De modo que eu já era um escritor com cinco livros clandestinos. Mas o meu problema não era esse, pois nem então, nem nunca, eu tinha escrito para ser famoso, mas sim que os meus amigos gostassem mais de mim, e julgava ter conseguido isso. O meu grande problema como romancista era o facto de, depois daqueles livros, me sentir num beco sem saída, e procurava por toda a parte uma brecha para escapar. Eu conhecia bem os autores, bons e maus, que teriam podido mostrar-me o caminho e, no entanto, sentia-me a andar em círculos concêntricos. Não me considerava esgotado. Pelo contrário: sentia que ainda me restavam muitos livros pendentes, mas não concebia um modo convincente e poético de os escrever. Estava eu nisto, quando Álvaro Mutis subiu, a passos largos, os sete pisos da minha casa com um pacote de livros, separou do monte o mais pequeno e curto e me disse, morto de riso:
- Leia isto, carago, para que aprenda!
Era Pedro Páramo.
Nessa noite não consegui adormecer enquanto não terminei a segunda leitura. Nunca, desde a noite tremenda em que li a Metamorfose de Kafka numa lúgubre pensão de estudantes em Bogotá - quase dez anos antes - , eu sofrera semelhante comoção. No dia seguinte, li A planície em chamas e o assombro permaneceu intacto. Muito depois, na sala de espera de um consultório, encontrei uma revista médica com outra obra-prima desirmanada: La herencia de Matilde Arcángel. Durante o resto daquele ano não consegui ler nenhum outro autor, porque todos me pareciam menores.
Não saíra ainda completamente do deslumbramento quando alguém disse a Carlos Velo que eu era capaz de recitar de cor parágrafos inteiros de Pedro Páramo. A verdade ia mais longe: podia recitar o livro inteiro, de trás para a frente e de frente para trás, sem um erro significativo, e podia dizer em que página da minha edição se encontrava cada episódio e não havia um só traço do carácter de uma personagem que eu não conhecesse a fundo.
Gabriel García Márquez em "Prefácio" a O Galo de Ouro e outros textos dispersos, de Juan Rulfo, na edição da Cavalo de Ferro.
light gazing, ışığa bakmak
Sunday, February 5, 2012
Juan Rulfo (2)
Publicado por Ana V. às 12:59 AM
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