"Por isso, como nunca fomos muito habilidosos em recorrer a esses apoios, a crise não nos afecta particularmente. O nosso maior apoio são os leitores. Por exemplo, para o livro do Álvaro Domingues que vamos agora publicar em Março, com 320 páginas todas a cores, pedimos aos leitores para nos adquirirem directamente e antecipadamente os livros. Estávamos com muito receio, porque precisávamos de 500 subscritores e o processo exige obviamente uma grande confiança. E ficámos muito felizes por saber que temos essa confiança, que há um público que aprecia e quer ler os livros que publicamos. E que é esse público que tem força como colectivo para legitimar as nossas edições e não uma marca de sanitas ou uma Secretaria de Estado de um Estado falido."
"Mas depois há uma dose de incompetência generalizada que envolve este cenário. A maior parte das livrarias, sobretudo com a autofagia editorial que tem grassado nos últimos tempos, tem primado pela ineficácia na criação de vínculos na cadeia entre autor e leitor. Há livreiros que não conhecem os livros, que dizem que estão esgotados apenas porque não os conhecem, que recebem o dinheiro dos leitores e não pagam a parte devida aos editores, etc.
Há também uma incompetência (ou ausência) assustadora nas instituições que deveriam apoiar a edição e os editores, e nem me refiro à ausência de apoios financeiros. Embora aqui o impacto seja menor, na medida em que essas ausências e incompetência apenas limitem a nossa actividade, em vez de a promover. Por exemplo, tentámos, sem sucesso, oferecer livros à Rede Nacional de Bibliotecas. Imagino que muitos leitores pudessem ter beneficiado dessa oferta, mas não conseguimos ter resposta da DGLB."
"TP. Tem um iPad? E um Kindle? Como vê o futuro do livro em papel num mundo tomado de assalto pela revolução digital e pelo download pirata?
AT. O que é que o futuro do livro de papel tem que ver com o facto de eu ter ou não ter um iPad ou um Kindle? E o que é que ambas estas coisas têm que ver com a ‘revolução digital’? E sobretudo, o que é que a pirataria tem a ver com qualquer uma destas coisas? Vamos por partes.
Em primeiro lugar, a questão ‘digital’. Há um mundo de possibilidades tecnológicas que se tem vindo a abrir e que oferecem excelentes soluções de comunicação e publicação de conteúdos. Em boa verdade, no campo do livro, a maior parte da produção de conteúdos para esses suportes parece emular as práticas editoriais e formais que decorrem de outras tecnologias, nomeadamente a imprensa. Isso tem algumas vantagens, por exemplo, imaginem-se as toneladas de papel que não se poupam, e o seu respectivo espaço em bibliotecas, quando se podem transformar as actas de um congresso em PDF’s facilmente acessíveis através de bases de dados partilhadas. Ou, como tem sido evidente, a possibilidade de construir enciclopédias e dicionários de actualização constante. Para o campo da arquitectura a publicação digital oferece e sugere muitas soluções de representação que estão completamente fora de hipótese no formato impresso. A integração de vídeo é talvez a mais óbvia, mas o que parece ser mais relevante são as possibilidades de articulação de conteúdos numa rede mais complexa e mais directa do que a sequência de paginação de um livro. Mas o que é óbvio é que está em causa uma tecnologia de produção distinta, com agentes diferentes, que apela a outros saberes, que envolve outros actores. Ou seja, se há pontos de ligação entre os dois mundos, chamemos por comodidade o ‘mundo de papel’ e o ‘mundo digital’, há mais pontos que os separam do que aqueles que os unem. Enquanto o ‘mundo digital tentar emular o mundo de papel, pouca diferença fará. Será eventualmente mais proveitoso economicamente, um ou outro lado, nunca se sabe. O que aguardo com expectativa é o momento em que o ‘mundo digital’ consiga fornecer formas de representação que, de facto, constituam uma novidade e ofereçam novas possibilidades de construir conhecimento.
Quanto à questão da pirataria, só por ignorância se pode desvalorizar ou ignorar a importância fundamental da pirataria no mundo editorial. A pirataria não tem nada a ver com uma ascensão do ‘mundo digital’ sobre o ‘mundo de papel’ e, em ambos os cenários, é uma prática que sempre existiu, uma prática que amplia e expande o campo de acção e circulação dos conteúdos editoriais e que é francamente positiva.
Basta pensar que a grande circulação gerada pela pirataria tende a valorizar as peças originais, sobretudo quando o valor material e as qualidades específicas de uma edição original são sensíveis, ao tacto, ao olhar. Se estamos a falar de livros a presença da pirataria é tão velha quanto o próprio livro, não tem nada a ver com a ascensão do mundo digital.
O que creio estar a comprometer o futuro económico do livro de papel é o desmantelamento de um sistema de relações estável entre autor e leitor. A gestão digital da logística, que traz vantagens incalculáveis na gestão de lojas e na circulação de livros, tem sido aproveitada da pior maneira, desqualificando o livreiro e, assim, aniquilando uma figura cujo conhecimento – do livro e do leitor –foi essencial desde a generalização da imprensa. E não é o comércio online que o está a aniquilar; um bom livreiro sabe gerir esse conhecimento e o tirar melhor partido das ferramentas que estão à sua disposição. O que o está a aniquilar o livreiro é a barbárie e tirania do livro concebido como um objecto exclusivamente económico. Para esse objecto o conhecimento do livreiro é relativamente indiferente. Se o mercado editorial se concentra nessa frente (como parece ter concentrado), pode parecer que não vai aniquilar directamente o livro como objecto, mas corre o risco de aniquilar uma figura fundamental para a existência do livro. Mas, mais uma vez, não é o ‘mundo digital’ que está a provocar isso, é a ambição especulativa.
Perante isto, cabe perguntar quem é o pirata bom e o pirata mau? Creio que o pirata bom é quem copia, divulga, conhece, faz conhecer e usa o conhecimento que os autores comunicam sob a forma de livros, mesmo que não pague directamente ao autor e a quem trabalhou nos conteúdos aquilo que seria suposto pagar. E creio que o pirata mau é aquele que julga que basta pagar 1 para, especulando à custa de um mercado protegido de forma autoritária, conseguir ganhar 2, sem ter em conta qual o verdadeiro valor intelectual e cultural da mercadoria que está a negociar."
excertos de uma notável entrevista de André Tavares da Dafne Editora que é preciso ler por completo. retrato nítido de uma época.
light gazing, ışığa bakmak
Wednesday, February 15, 2012
sou pirata boa, como já desconfiava
Publicado por Ana V. às 10:22 AM
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