"O dia de triunfo findava, breve como os luminares e os foguetes. - E Gonçalo, parado, rente do miradouro, considerava agora o valor desse triunfo por que tanto almejara, por que tanto sabujara. Deputado! Deputado por Vila-Clara, como o Sanches Lucena. E ante esse resultado, tão miúdo, tão trivial - todo o seu esforço tão desesperado, tão sem escrúpulos, lhe parecia ainda menos imoral que risível. Deputado! Para quê? Para almoçar no Bragança, galgar de tipóia a ladeira de S. Bento, e dentro do sujo convento escrevinhar na carteira do Estado alguma carta ao seu alfaiate, bocejar com a inanidade ambiente dos homens e das idéias, e distraidamente acompanhar, em silêncio ou balando, o rebanho do S. Fulgêncio, por ter desertado o rebanho idêntico do Braz Victorino. Sim, talvez um dia, com rasteiras intrigas e sabujices a um chefe e à senhora do chefe, e promessas e risos através de Redações, e algum Discurso esbraseadamente berrado - lograsse ser Ministro. E então? Seria ainda a tipóia pela calçada de S. Bento, com o correio atrás na pileca branca, e a farda malfeita, nas tardes de assinatura, e os recurvados sorrisos de amanuenses pelos escuros corredores da Secretaria, e a lama escorrendo sobre ele de cada gazeta de oposição... Ah! que peca, desinteressante vida, em comparação de outras cheias e soberbas vidas, que tão magnificamente palpitavam sob o tremeluzir dessas mesmas estrelas! Enquanto ele se encolhia no seu paletot, Deputado por Vila-Clara, e no triunfo dessa miséria - Pensadores completavam a explicação do Universo; Artistas realizavam obras de beleza eterna; Reformadores aperfeiçoavam a harmonia social; Santos melhoravam santamente as almas; Fisiologistas diminuíam o velho sofrer humano; Inventores alargavam a riqueza das raças; Aventureiros magníficos arrancavam mundos de sua esterilidade e mudez... Ah! esses eram os verdadeiramente homens, os que viviam deliciosas plenitudes de vida, modelando com as suas mãos incansadas formas sempre mais belas ou mais justas da humanidade. Quem fora como eles, que são os sobre-humanos! E tal ação tão suprema requeria o Génio, o dom que, como a antiga chama, desce de Deus sobre um eleito? Não! Apenas o claro entendimento das realidades humanas - e depois o forte querer.
E o Fidalgo da Torre, imóvel no eirado da Torre, entre o céu todo estrelado, e a terra toda escura, longamente revolveu pensamentos de Vida superior - até que enlevado, e como se a energia da longa raça, que pela Torre passara, refluísse ao seu coração, imaginou a sua própria encaminhada enfim para uma acção vasta e fecunda, em que soberbamente gozasse o gozo de verdadeiro viver, e em torno de si criasse vida, e acrescentasse um lustre novo ao velho lustre de seu nome, e riquezas puras o dourassem, e a sua terra inteira o bem-louvasse porque ele inteiro e num esforço pleno bem servira a sua terra..."
Eça de Queirós em A Ilustre Casa de Ramires.
light gazing, ışığa bakmak
Wednesday, May 2, 2012
carreira
Publicado por Ana V. às 12:50 AM
TAGS Eça de Queirós
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