light gazing, ışığa bakmak

Thursday, August 30, 2012

lisboa

podia passar todo o conto. fica este pedaço-

"No empedrado do chão estava desenhada uma rosa-dos-ventos. Deteve-se sem saber que direcção tomar:  o jardim botânico era grande e seria impossível encontrar aquilo que procurava antes da hora do encerramento. Escolheu o sul. Sempre demandara o sul em toda a sua vida, e ao chegar agora àquela cidade do Sul parecia-lhe acertado prosseguir na mesma direcção. Mas no seu íntimo sentia o sopro da tramontana. Pensou nos ventos da vida, porque ele há ventos que acompanham uma vida: o zéfiro suave, o vento quente da mocidade que o mistral se encarregará de temperar, certos ventos de sudoeste, o siroco que abate, o vento gélido da tramontana. Ar, pensou, a vida é feita de ar, um sopro e acabou-se, aliás nós não passamos de um sopro, respira-se, até ao dia em que a máquina pára e o sopro extingue-se. Parou, estava ofegante. Arranjaste uma bela pieira, disse de si para si. O caminho subia abruptamente até uns socalcos que se avistavam para lá das copas das magnólias gigantes. Sentou-se num banco e tirou do bolso um pequeno bloco. Era onde apontava os nomes dos lugares de origem das plantas que o rodeavam: Açores, Canárias, Brasil, Angola. Desenhou a lápis algumas folhas e algumas flores, e a seguir, servindo-se das duas páginas centrais do bloco, desenhou a flor de uma árvore com um nome muito estranho, proveniência Canárias-Açores. Era um gigante majestoso com folhas compridas e lanceoladas e umas flores enormes e carnudas agrupadas em ramificações que pareciam frutos. A idade daquele gigante era realmente notável, fez as contas: no tempo da Comuna de Paris já devia ser adulto.

Sentiu que tinha recobrado fôlego e dirigiu-se a passos rápidos para o fim do caminho. O sol bateu-lhe em cheio e encandeou-o. Estava muito calor, e no entanto a brisa que soprava do oceano era fresca. A parte sul do jardim botânico terminava num enorme terraço suspenso sobre a cidade, com uma vista panorâmica completa, o vale ocupado pelos bairros pobres numa rede apertada de ruas e travessas, e as casas, brancas, amarelas, azuis. Lá do alto enxergava-se todo o horizonte, e ao fundo, à direita, para lá das gruas do porto, abria-se o mar. O terraço era delimitado por um murete que lhe chegava à altura do peito e onde um painel de azulejos representava a cidade. Procurou decifrar-lhe a topografia a partir daquele desenho de risco ingénuo: o arco de triunfo da cidade baixa donde arrancavam as três artérias principais, com a arquitectura iluminista da reconstrução subsequente ao terramoto; o centro, com duas grandes praças encostadas uma à outra, à esquerda a rotunda com um pesado monumento de bronze, e depois, para norte, a zona nova, com uma arquitectura tipo anos cinquenta e sessenta. Porque vieste até aqui, disse para consigo, que procuras?"

Tabucchi em O Tempo Envelhece Depressa.

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