light gazing, ışığa bakmak

Sunday, September 2, 2012

Lee Chang-dong:

Poetry. ver realmente e encontrar as palavras, por um lado. (primeiro vão os substantivos, só depois os verbos, diz a médica sobre o Alzheimer. a minha própria falta de memória é sobretudo nomes, próprios ou outros, e advérbios, esses também falham bastante. ah mas os verbos... diz a avó, querendo dizer que os verbos faltarem não faz grande diferença, os substantivos é que são as palavras mais importantes diz ela. e mais tarde no filme, quando apanha um alperce do chão e o come como eu faço às vezes, com aquele arrepio do sumo, aí acredito nela). -violência masculina e expiação, por outro. porque que é que em todos os filmes coreanos que vejo as mulheres são vítimas de várias agressões masculinas e, estranhamente, ainda se auto-flagelam por isso.

apesar do sentimento de avalanche e de opressão, prefiro sempre o ver que parte de todos os lados da sala, isto a propósito da imagem com a maçã que serve de cartaz ao filme. para ver realmente, diz-se na aula de poesia, é preciso ver a maçã a partir de todos os ângulos.

assume-se que é o que quem conta a história tentará fazer com ela: conhecer realmente a avó, vê-la de todos os ângulos. já vi avós semelhantes em cinema, lembro-me à primeira lembrança de uma avó filipina. encontro-me de entrada nesta categoria de mulheres (sempre retratadas por homens), a segunda de duas: as mulheres que os homens desejam e as mulheres que os homens admiram. não porque eu seja admirável de algum modo, mas porque estou a entrar na idade de servir - desse ponto de vista que não é o meu. as avós-coragem, as mulheres de alguma idade que ajudam os velhos, madres Teresa, todas as governantas, as mulheres que Cardoso Pires afinal preferia, todas estas que passaram dos cinquenta e que afinaram a sensibilidade e a generosidade, bem como a lucidez, embora muitas vezes na história tenham sido chamadas por todos os nomes, desde histéricas a solteironas a bruxas. são as curandeiras, tratadoras, um dos pilares de continuação do mundo. brinquei e abusei da primeira fase, espero fazer o mesmo na segunda.

se a avó está no centro da história, ela movimenta-se num tema muito mais vasto: o da degeneração da sociedade tradicional conquistada (posta de joelhos) pelo capitalismo. este tema é hoje -como se diz- transversal a todas as culturas. na Coreia do Sul um pouco mais ainda e de modo mais dramático pois é uma das democracias mais americanizadas da Ásia, com a presença em massa de militares e de empresas americanas desde a guerra da Coreia. este novo mundo capitalista, encarnado pelo indigente neto, é a realidade quotidiana.

ambos os temas (assuntos, problemáticas, linhas de divagação) me interessam porque a minha curiosidade me leva a desejar conhecer os outros, lugares distantes, o estado do mundo. (assim me vejo em reflexo) mas   são problemas, alíneas de um argumento, não transcendem coisa alguma (como o vento de Tárr). aqui em Poesia, apenas o rosto contido da protagonista e as sombras que faz passar no olhar escapam por vezes à mera explicação.





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