"Galip podia vê-lo com os seus próprios olhos: aquela casa era a de um pequeno-burguês, de um homem pertencente à «classe média», a casa de um cidadão «tradicional». Tudo o que possuíam eram aqueles velhos sofás, forrados de pano de algodão florido, aquelas cortinas de tecido sintético, aqueles pratos esmaltados enfeitados por um voo de borboletas, aquele aparador horrível, aquele serviço de licores nunca utilizado, e a caixinha que serve para oferecer doces aos convidados nos dias festivos, além daquele tapete, já no fio, com as cores apagadas pelo tempo. A mulher dele não era uma mulher notável, instruída como Ruya, nada tinha de extraordinário, ele bem o sabia, era uma mulher simples, sem pretensões, como a mãe dele fora (a mulher lançou a Galip um sorriso cujo sentido ele não conseguiu decifrar, e sorriu depois ao marido), era de resto prima dele, filha de uma sua tia. E os filhos eram como eles. Levavam a vida que o pai dele teria continuado a levar, se não tivesse morrido. Escolhendo deliberadamente uma tal maneira de viver, assumindo-a conscientemente, causava o fracasso de uma conspiração de dois mil anos, recusava-se a tornar-se outro que não ele próprio, obstinava-se no apego à sua «identidade própria».
Pamuk nos Jardins da Memória (Kara Kitap)
comparado com Calvino, mas Pamuk não tem nada de Calvino, talvez o seja pelo non-sense que as frases por vezes vestem e fogem, assim dito. lança umas palavras a determinado ritmo e a certa altura movem-se e vão embora com o significado. neste capítulo Galip diz branco e logo foge com um sonho em branco e mil significados (indícios), sem avisar. o estilo de concentração que mais associo ao grande Bazaar de Istambul (cliché) é o oposto da contenção estilizada de Calvino que mais associo ao design italiano.
aqui, perigosamente. gostaria de ver se na origem se encontram as palavras que introduzem toda a dúvida: o sorriso enigmático, a la Gioconda, e o se não tivesse morrido. e claro, o enquadramento. o pequeno burguês da foto tinha sido antes um revolucionário assumindo personalidades distintas para assim difundir as mensagem da revolta.
(nas notícias da cnn, Istambul está na europa)
light gazing, ışığa bakmak
Friday, November 30, 2012
preservar a identidade nacional
Publicado por
Ana V.
às
9:43 AM
TAGS Orhan Pamuk
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