light gazing, ışığa bakmak

Tuesday, March 5, 2013

registo predial


há gente a receber a conta para pagar de casas e terrenos que já venderam há anos e dos quais já perderam tudo - escrituras, cadernetas, registos. a perseguição que é feita ao pacato cidadão não se cinge ao tempo presente mas mergulha no seu passado.

as conservatórias e os antigos notários são locais de fascínio onde se revela o coração da burocracia e sobre os quais muitos livros podem ser escritos, como o Todos os Nomes. nestes últimos vinte anos de fundos europeus, as antigas repartições de madeira bichosa foram encerradas e os 'serviços' mudaram-se para modernos edifícios envidraçados com plantas, ar condicionado e decoração bicolor para denotar uma certa coerência de marca, o design, uma certa modernidade (mas faltava a placa de todo o balcão e assim os 'utentes' podiam ver os fios emaranhados). apenas os malfadados funcionários enxovalhados persistem nos mesmos hábitos: torres de papelada em desordem, o pó dos caixotes de papelão, avisos em times new roman ingénuo nas paredes, o agrafador identificado com nome próprio colado a fita-cola, as vidraças anuladas por estores pardos. mas fuma-se lá fora.

um homem queixou-se ao funcionário de estar a pagar duzentos escudos por uma fotocópia. parece que não é nada. -mão morta, sabe o que é mão morta? não faça força com o dedo. olhe em frente, cuidado que não podem aparecer os dentes.

a frase dos dentes, de longe a minha favorita, foi dita várias vezes. também é fácil imaginar que, depois de uma frase destas dita em voz alta, todas as pessoas à espera de vez tenham olhado para verificar se a boca estava bem fechada ou se se viam alguns dentes.


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