light gazing, ışığa bakmak

Saturday, August 17, 2013

a gaiola dourada (2)

escreveu Lauro António sobre A Gaiola Dourada:

A GAIOLA DOURADA
Se o cinema português ganhasse juízo de vez em quando fazia bem. Mas esta mania que deu em Portugal, inspirada por alguém que se julgava dono e senhor dos destinos da cultura cinematográfica, em que só a estética straubeana é que valia, e que teve como consequência desprezar toda a cultura de massas e empurrar quem quisesse algum contacto com o público para subprodutos indigentes, ou cair fora da carroça, deu no que deu: raros são os espectadores para os filmes realmente bons, e os subprodutos volatizam-se sem deixarem rasto. No entanto, como todos sabem, excepto “os espíritos elevados” que também sabem, mas fazem por esquecer, para impor o seu dirigismo cultural insano, o cinema pode ter qualidade e agradar às massas, pode ser de autor e ter muitos espectadores. Não é preciso, por outro lado, copiar os esquemas estrangeiros para se ter sucesso comercial, muito pelo contrário. Não é copiando 007 ou thrillers que interessamos o público nacional e muito menos as plateias internacionais. Uns e outros sabem que americanos e quejandos fazem muito melhor. A nós falta-nos tudo, a começar pela convicção. Mas se agarrarem em temas portugueses e os trabalharem com sinceridade, sensibilidade e um olhar profundamente nacional, isto é, original em relação aos outros, faremos de certeza obras interessantes que não deixarão de despertar interesse. Veja-se o caso de “A Gaiola Dourada”, de um desconhecido Ruben Alves, português que vive em Paris, filho de mãe porteira e pai pedreiro, que resolveu fazer um filme sobre os emigrantes portugueses em França. O argumento está bem urdido, criando sólidas ligações entre a tradição da comédia francesa e da nossa comédia dos anos 30/50, as personagens têm dimensão humana, impõem-se pela sua convicção, pode dizer-se que aqui e ali correspondem a estereótipos, mas a verdade é que funcionam bem (e os estereótipos existem porque personagens assim também existem), as situações desenvolvem-se com graça, sem recurso à caricatura pesada, o clima é de bonomia, sem ser de alheamento dos problemas e das dificuldades. Impõe-se perguntar aqui: por que será que o cinema feito em Portugal é sempre tão soturno, mude o que mudar: é soturno na I República, na Ditadura (a comédia era considerada pelos responsáveis governamentais a pornografia do cinema português!), na II República, em período de vacas gordas ou magras, ou mesmo em épocas de vacas esqueléticas. Por que será que somos sempre os mais miseráveis, os mais ignorantes, os mais mal-intencionados, os mais corruptos, e o cinema português, mesmo quando é de grande qualidade, o que não contradigo em muitos casos, se mostra sempre o mais crítico e desesperado do planeta.
Ora bem, aqui temos uma comédia divertida, que fala de portugueses em França com elegância e bom gosto, com algum orgulho na nossa maneira de ser, sem choradinhos inúteis, colocando os pontos nos iis, quando é necessário, mas com evidentes qualidades narrativas e muito boas interpretações. Falemos dos portugueses de gema: Joaquim de Almeida tem uma das suas composições mais conseguidas, Rita Blanco está uma actriz magnífica, merecendo todos os encómios, Maria Vieira recupera com justeza o tom da comédia popular portuguesa. Depois há a família dos patrões franceses, bem representada por Roland Giraud, Chantal Lauby e Lannick Gautry, todos eles certos e seguros, bem como os demais. Ruben Alves, que se estreia aqui na longa-metragem, demonstra uma maturidade inegável, na escrita, na concepção, na direcção de actores. Sem se pavonear escusadamente, com alguma humildade na aproximação do material a filmar, dá uma lição de eficácia a que o público francês primeiro (mais de 1.200 milhão de espectadores) e o português agora (180 mil nos primeiros dias) tem correspondido brilhantemente.
Dá gosto entrar numa sala quase esgotada e ouvir as reacções francas de uma plateia rendida. Não à facilidade, de que certamente alguns críticos habituais irão acusar o filme, mas à segurança de quem tem unhas para tocar o fado (que também aparece, assim como Pauleta!). Nem sempre Coimbra é uma lição. Às vezes ela vem de fora, de um emigrante português em Paris.

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apetece-me dizer: também acho.

e - sim - um pouco sobre o mesmo tema, um senhor, António Pinho Vargas, sobre 'they':

Hoje, sem que encontre uma razão plausível para ter sido hoje e não ter sido ontem ou depois de amanhã, tive saudades do meu amigo Manuel António Pina, da última conversa que tive com ele no Porto talvez por 2008/9. Então fui buscar o seu livro "Crónicas, saudades da literatura" e li um final de uma: "Se o BCE financiasse Portugal à mesma taxa de juro com que financia os bancos (1%), pouparíamos 14,6 mil milhões... Quem se importa com isso?"
JN, 12-3-12
Ele tinha razão. Quem se importa com isso?
Lembrei-me do título (atribuído pela publicação, como é habitual, mas de acordo com o sentido geral do texto) de um artigo do compositor americano da vanguarda universitária americana de 50-60, Milton Babbitt, "Who cares if they listen?"
Quem eram they? "The wisle men of the streets" lemos lá. O homem que assobia na rua. O homem da rua. O vulgar. O sem requinte. O incapaz de gostar da sua música. O calhau. O primata. O inculto. O parolo. O sem gosto. O etc e tal.
Actualizando e atravessando um oceano, quem se importa com isso - ou aquilo - que vemos? O que não sabe o que é um swap. O que não comprou acções no BPN quando o podia ter feito se soubesse que o podia fazer (na verdade não podia: só alguns sabiam que era legal, só alguns podiam "investir", só alguns sabiam sequer que o banco existia). "The wisle man of the streets" não tem estatuto nem para comprar acções do BPN nem para gostar da música do Babbitt. Era preciso compreender que a música "moderna" dele era tão requintada que gostar dela não estava ao alcance de qualquer um. (O meu caso, diga-se já. Não suporto nenhuma auto-proclamada aristocracia, nem estética, nem do dinheiro, nem seja do que for). Não suporto os Babbitts deste mundo. "They", dizia ele. Quem são eles?
Os que não sabem sequer o que são mil milhões de euros (incluo-me nesse número na sua boa companhia). Os que não estão reformados aos 42. Os que ganham aquilo que lhes pagam pelo seu trabalho e não aspiram a ser capitalistas-populares, um conceito bizarro e uma mentira.
Quem se importa com isso? diria o Pina (se estivesse a par destes problemas que afligiam o nosso micro e ridículo mundo das vanguardas já extintas). Quem se importa com isso? Abraços longos e infinitos Pina.
Fazes falta, é um facto. O contrário de "quem se importa com isso".
APV

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ambos no fb.



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