light gazing, ışığa bakmak

Tuesday, September 3, 2013

clausura

o rapaz da i. está no limite da adolescência. passou os três meses de férias em casa de volta do computador, dos aparelhos electrónicos e da televisão. para o levar à praia os pais têm de ameaçar cortar a electricidade em casa. o miúdo deixou de brincar com os amigos de infância, com os vizinhos e a família nem vê-la. não quer sair de casa. os pais levam-no à psicóloga que, ternamente profissional, tentou aliciá-lo para uma série de actividades de verão ao ar livre, campos de férias, desporto, projectos, mas nada o demoveu. a psicóloga descobriu, no entanto, que ele não sofreu nenhum trauma, que ninguém faz pouco dele na escola nem foi abusado por conhecidos ou desconhecidos. quando fala com alguém, o que é raro, limita-se aos assuntos das suas preocupações: jogos e televisão.

nas casas das máquinas do navios trabalham chefes e motoristas, fechados uma vida no ventre da baleia ruidosa. é raro encontrar um destes homens que não seja surdo.

na praça o homem apontava para a tabuleta sobre o peixe com desdém, esse é alimentado a farinha, nem se podem mexer. vinte e sete trutas adultas vivem por vezes num espaço semelhante ao de uma banheira doméstica. cinquenta mil peixes em oito mil metros quadrados. a falta de espaço, as rações e outras condições causam doenças e parasitas que os produtores combatem com antibióticos e várias drogas. os milhares de peixes mortos que resultam das culturas norueguesas vão por sua vez servir de ração aos visons de cativeiro, criados para fazer casacos e artigos de luxo. na comunidade europeia estes animais são geralmente mortos em câmaras de gás. por ano são mortos 30 milhões de visons. na europa, os visons estão em perigo de extinção.

em Zaatari, na Jordânia, vivem cento e vinte mil refugiados da guerra na Síria. o estado do mundo, o progresso. podemos ver tudo isto nos museus de arte contemporânea como o Palais de Tokyo, em Paris, cidade onde milhares de despojados vivem na rua, debaixo de cartões e de trapos.

se passearmos nas ruelas de Lisboa ao cair do dia, as janelas estão abertas e ouvimos as vozes das novelas que se misturam no ar numa trama labiríntica.

sair de casa e andar por Lisboa, subir colinas ou sentir a pele secar pelo estalo do sol, por vezes a brisa que vem do tejo. pensei que estes sons de Lisboa são outros e que os sinos das igrejas estão mudos, tão mudos como as antenas de televisão, um viveiro de insectos mudos nos telhados da cidade. no miradouro por cima do noobai paira uma nuvem de aromas de caril e a tarde ainda agora começa.


No comments:

 
Share