light gazing, ışığa bakmak

Sunday, October 13, 2013

a voz de Luís Rodrigues

é uma boa metáfora para a situação dos teatros nacionais portugueses: afónicos mas desenrasca-se a coisa.

uma récita memorável a desta tarde no São Carlos. é verdade que tenho um problema de enamoramento pelo São Carlos, uma das minhas salas favoritas com o La Fenice, o Lethes de Faro e o Garcia de Resende de Évora onde um dia quase perdi o ar ouvindo Vengerov, pendurada nas galerias: manias. a reposição do Chapéu de Palha de Itália numa altura de crise no teatro (não só neste) foi uma decisão ganha: a história é divertida e leve, os momentos de risos na sala assim o comprovam; o elenco é todo português e de elevada qualidade, o guarda-roupa estonteante, um espectáculo dentro do espectáculo; cenários que funcionam a favor da história; a música eficaz de Nino Rota e matar saudades de ouvir a Orquestra Sinfónica, dirigida por João Paulo Santos, um habitante da casa há décadas.

o que faz uma récita memorável: ser absolutamente única e irrepetível. a mesma relação de enamoramento que tenho com o teatro tenho com a apresentação ao vivo de quem oferece tudo o que tem aos desconhecidos que observam no escuro, a vulnerabilidade: são as artes performativas. no início do terceiro acto e da sua actuação enquanto marido enganado Luís Rodrigues perdeu a voz (o marinheiro que perdeu o mar). tentou retomar mas foi impossível. o maestro suspendeu a actuação e, pedindo a compreensão do público pelo inesperado, retirou-se para o interior do teatro. a solução encontrada foi Luís Rodrigues continuar a actuação, mas mudo, enquanto o barítono João Merino cantava a sua parte. assim foi e o público pôde assistir à segunda metade do espectáculo. no final, grande aplauso inevitável para ambos. excepcional João Merino, aplauso bem merecido. [a primeira vez que ouvi Luís Rodrigues foi em meados dos anos noventa no auditório do Casino Estoril, interpretou penso que Lieder de Mahler com a Metropolitana, mas não estou certa.]

noutro incidente, o chapéu, que é suposto ficar preso no candeeiro de rua, acaba por cair para o chão, um pormenor que talvez tenha confundido algumas idosas ou até passado despercebido, quem sabe.

tive a surpresa e o prazer de rever pessoas que já não encontrava há muitos anos, o prazer de ver o trabalho frenético do Café Lisboa que terá de tomar medidas de excepção para os dias de espectáculo, arriscando-se a não dar vazão à enchente. o espaço é pequeno, espero que o exterior seja preparado para o inverno. os pastéis de massa tenra que vi passar terão inevitavelmente de ser experimentados num futuro próximo. voltar ao São Carlos, sem dúvida.

regresso a ouvir ainda as vozes de José Fardilha numa excelente interpretação, do garboso noivo Mário João Alves e da chapeleira Ana Franco. a mulher de vermelho, Dora Rodrigues, brilhou. alguns bons momentos de António Quítalo.

São Carlos, muito bom, um teatro resiliente.






No comments:

 
Share