light gazing, ışığa bakmak

Sunday, November 10, 2013

irmã

a irmã inês tinha o cabelo castanho ao contrário de quase todas as outras freiras. na altura talvez tivesse trinta ou quarenta, era nova e enérgica, sempre envolvida em algum projecto com as suas alunas. agora as freiras envelhecem na sua clausura, proibidas de contactar os alunos, já não há só meninas - ali vivemos o fim de uma era. o cabelo da irmã inês era castanho e curto, com um corte algo selvagem e intrigante. agora reconheço, talvez, uma hipótese. a minha própria maneira de cortar o cabelo (ir buscar a tesoura grande, agarrar a melena castanha e cortar a direito de uma vez) não deve estar longe do que ela fazia. gostaria, não fosse o perigo de me tornar demasiado alheia, ou de mostrar o alheamento que apenas escondo, de me sentar no toucador: três pisos - o do meio mais baixo, os dos lados um pouco mais altos mas alturas diferentes, dois frascos de perfume, um naperon de linho, a caixa de prata do pó de arroz e um pequeno espelho de mão oval de uma madeira escura. via-a de costas, de manhã. sentava-se e fazia uma muito longa trança com uma melena cada vez mais fina, como a minha, e enrolava aquela serpente num atinado bolo preso na cabeça. o cabelo privado e o cabelo público.

No comments:

 
Share