light gazing, ışığa bakmak

Monday, December 30, 2013

'preços (pouco) fixos'

um artigo de José Mário Silva, o bibliotecário babélico sequestrado pelo jornal expresso. antigamente liam-se os jornais no café e ainda se vêem jogos de futebol no café e nas tascas da cidade. de vez em quando, alguns assuntos devem iludir a negociata. parte de um artigo a mostrar também por que não me interessam nada os mercados, editoriais ou outros. pena ser pouco desenvolvido no aspecto do efeito nefasto das negociatas editoriais e livreiras na produção literária (que os restantes livros não contam aqui), porque é que o livro novo do Lobo Antunes vai ser editado em troca o passo primeiro e não em Portugal (para os leitores não ficarem assoberbados com mais de uma edição por ano, sim, sim, para fazer dois lançamentos, duas campanhas, etc.).

"Um dos livros mais importantes editados este ano em Portugal é uma radiografia impiedosa do mercado editorial norte-americano, assinado por alguém que o conheceu muito bem por dentro. André Schiffrin, responsável durante décadas pelo catálogo da Pantheon Books, uma respeitada chancela independente. Em 1990, Schiffrin fez frente às imposições da Random House, o grupo gigante que integrava a Pantheon nas suas fileiras, recusando-se a reduzir a publicação de obras pouco vendáveis ou despedir pessoal, acabando ele próprio por ser despedido - vindo mais tarde a criar uma editora sem fins lucrativos (a New Press). Em "O Negócio dos Livros - Como os grandes grupos económicos decidem o que lemos", publicado pela Letra Livre, Schiffrin, que morreu aos 78 anos no início deste mês, analisa com grande detalhe os mecanismos trituradores da concentração editorial (assente numa lógica incapaz de aceitar a necessidade de títulos que não dêem lucro) e o efeito de vertiginoso estreitamento de diversidade cultural que engendram.

Descontadas as óbvias diferenças de escala, muitas das questões que se colocavam nos EUA em 2000, ano da publicação original do livro, colocam-se hoje de forma premente no nosso país. Não só no que diz respeito aos pequenos grupos, mas ao funcionamento do mercado do livro como um todo, cada vez mais sujeito a desiquilíbrios e distorções que não só põem em causa a livre concorrência, como ameaçam a sobrevivência no ecosistema editorial de espécies de livros minoritários. Se há uma tendência para a uniformização da oferta nos maiores circuitos de distribuição (os hipermercados e as cadeias de livrarias, como a Bertrand e as lojas Fnac, as livrarias independentes têm representado uma alternativa a esse afunilamento característico do consumo de massas. Não se sabe é por quanto tempo, uma vez que muitas fecharam portas nos últimos meses e outras estão em vias de o fazer.

Já enfraquecidas pela retracção do consumo de livros, em tempos de crise económica e cortes salariais, as livrarias independentes depararam-se este ano com um problema suplementar: as agressivas campanhas de Natal das cadeias de livrarias supracitadas, em que os descontos abrangem novidades com menos de 18 meses, o que viola a lei do preço fixo do livro - se não na letra pelo menos no espírito. Mesmo que o preço unitário seja mantido, o "leve 4 pague 3", ou o desconto de 25% em cartão, representam um abatimento significativo no preço final pago pelo cliente. De resto, o IGAC (Inspecção-Geral das Actividades Culturais) deu provimento à queixa apresentada por um grupo de livreiros independentes, que avançaram depois para um providência cautelar no sentido de interromper as referidas campanhas. Contudo, a morosidade do processo tornou-o prática irrelevante. Resultado: mais uma assimetria num mercado que já está muito desiquilibrado. E a lei do preço fixo, pensada para preservar a diversidade cultural e regular a concorrência entre os diversos agentes económicos do livro, acaba por ser fintada por quem tem mais capacidade  negocial para jogar com as margens de lucro. "As grandes cadeiras livreiras concentram os seus enormes recursos nos livros mais vendáveis, negligenciando os outros títulos, o que influencia as decisões dos editores", escreveu Schiffrin. Este efeito também se começa a verificar em Portugal, e tenderá a agravar-se à medida que as livrarias independentes que resistem forem fechando as portas. Com a diminuição da diversidade editorial e dos lugares onde podemos comprar livros, ficaremos eventualmente mais pobres."

(...)

- -
minhas notas à margem:
- 'um dos livros mais importantes'... - bom, duvido.
- 'colocavam os EUA em 2000' é preciso ler com cuidado: isto não é o passado nem cá nem lá, é bem presente.
- a crise e o corte de salários são outras gotas numa lista já extensa de causas: a proliferação das cópias, o livro electrónico, as grandes cadeias de venda online, a morte anunciada do livro em papel tal como o conhecemos, a situação económica europeia, a aglomeração de editoras, a revolução tecnológica, a edição para o marketing e para o preço, a 'normalização' de géneros, etc. etc.
- 'morosidade do processo' é uma expressão poética, a verdade é que a justiça em Portugal é inexistente a não ser para nos depenar em impostos
- 'ficaremos eventualmente mais pobres' é outro optimismo: estamos já neste momento mais pobres. os tempos verbais são tão enganadores que levam sempre ao pensamento 'não sou eu', 'isto não tem a ver comingo'.
- de resto, o próprio bibliotecário se rende às listas, os livros do ano, os que vale a pena comprar--


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