light gazing, ışığa bakmak

Friday, June 6, 2014

gap

quanto mais vejo mais me encho de perplexidade com o imenso fosso que separa dois momentos da história: a geração anterior à revolução tecnológica e a posterior. a este abismo juntou-se o triunfo do capitalismo selvagem na sua forma actual de globalização massificada. as duas coincidências fazem trabalhar as suas negras e secretas máquinas neste país e suponho que em todos os outros.  família de mercadores, como a minha, desde todas as gerações que se vêem daqui, mercadores dos mais humildes a viver dos parcos bens que vendiam, hoje a vender mais alguma coisa e de formas mais ou menos sofisticadas. apenas uma ou duas pessoas na genealogia foram (e são) 'land owners', proprietários do quinhão que à maioria estava vedado. os vendedores são malquistos na maior parte das histórias em todo o lado, um pouco da razão encontrei-a na história 'Shopkeeper' de Yasar Kemal. tal como o funcionário público, o representante burocrata do estado nas pequenas povoações, também o shopkeeper tinha um poder calado e que usava do modo mais baixo tantas vezes. para o comunista, o shopkeeper é também ele um proprietário e como tal um dos males a serem expurgados. não invento: na Polónia, no auge comunista, ter um frigorífico era um luxo e comprá-lo não era possível. era preciso inscrever o nome na lista de requisições do partido e esperar anos pela eventual atribuição do mesmo. uma resolução divertida para o pretenso problema do vendedor. outra resolução com menos piada foi a da Alemanha nazi para outros mercadores menos pelintras mas mesmo assim mercadores. felizmente fomos aqui vendedores sempre e sem resoluções mais drásticas. creio até que fomos pelo mundo tentando vender e trocar coisas por essa costela de vendilhões que nos ficou da presença árabe.

dou um voo rasante às ourivesarias e encontro o mesmo panorama de outros ramos: pequenas lojas tradicionais, e ainda quase sem tecnologia, que morrem devagar pensando que vivem num mundo que entretanto deixou de existir; lojas pequenas feitas modernas e cuja modernidade se expressa na venda de marcas internacionais (e "seguras"), numa espécie de mcdonaldização da mercadoria, barata, serve a todos, sem geografia; cadeias de franchise que o fazem de modo mais agressivo à custa da mão de obra quase miserável em shoppings e grandes espaços; lojas pequenas e únicas do lado de cá do 'divide' com forte acesso à tecnologia, às redes, à inter-comunicação, ao design - e de grande qualidade - que apostam no único, no caro, no nacional. este retrato, imagino, deve servir a quase todas as áreas económicas. kudos à nova geração que ignorou a terra queimada que recebeu e deu largas à sua imaginação livre. livre e livre, só a liberdade restitui algo do que perdemos.

(não mencionei as lojas de topo, mas nessas tudo quase sempre permanece)


No comments:

 
Share