light gazing, ışığa bakmak

Wednesday, June 25, 2014

sensações

um certo perfume do qual me lembro de há muitos anos. mulheres que passaram por mim e as reconheço, não pelo nome nem por circunstâncias coincidentes da vida, mas por esse leve perfume antigo que uma delas deixou atrás de si. falam a mesma língua, viram os mesmos reclames talvez na mesma altura e esse tempo ficou nelas de várias formas, uma delas a mistura particular de fragrâncias de flores e de outros aromas, combinados à distância do espaço e do tempo, num laboratório de aromas, como quem compôs um vinho. lembro-me da Provence, tudo cheio de flores e aquilo tudo me parecia lilás.

calçava uns sapatos altíssimos que a impediam totalmente de andar mas mesmo assim andava (o corpo retorcido para aguentar o equilíbrio). tirar os sapatos e correr na areia podia ser um momento de liberdade mas não é: ali se confirma a falta dela.

quando a mulher passou, lenta com o apoio de canadianas por causa do joelho, parecia pequena, estava curvada. na mesa da esplanada um grupo de homens adultos, altos, a discutir websites e negócios, levantaram-se todos no mesmo preciso momento e deram-lhe um beijo de respeito. para a beijar tinham de se curvar.

a outra mulher fez um vestido multi-cor em forma de teia de aranha.

desapareceu-me (novamente)  o Big Sleep e incluí-o na categoria dos livros que não querem ser lidos. em vez disso passeio nos jardins de Sintra, em sentimento de delícia com os sucessivos enganos e ilusões que foram sendo vividos ao longo dos tempos. o que faz um humano sem história? avança às cegas mas 'cegos somos todos'. na história dos jardins, como em todas as histórias - até as mais insignificantes, como a história dos pentes de cabelo (não andavam sempre no bolso de trás), são reveladoras. aí está um projecto infantil: a história do objecto mais parvo de que te consigas lembrar.

os jardins do paraíso vistos dos nossos quintais: um exercício a que me quero dedicar. falta-me um miradouro (que palavra), o do jardim do Torel. para ver para este lado, onde eu estava antes a olhar para lá. assim são as faces de um sólido, mas em côncavo.

os objectos somos nós. a rapariga quer deitar fora todos os objectos e ficar com nada, assim recomeçar ou assim olhar de frente o que se é, nada. (da cinza etc etc). outros tropeçam nos objectos inúteis e com eles travam uma guerra calada porque lhes querem à força extrair significado, eu sou isto, mas não são nada. as coisas a serem apenas o desejo gorado de ser alguma coisa. e os objectos-tempo, esses é que me arrasam.




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