light gazing, ışığa bakmak

Sunday, December 7, 2014

contos cruéis do Douro e das serranias.. .

foto de alvieboy.

os contos da montanha de Miguel Torga. (houvesse mais quem os lesse, herança a nossa, se não está tudo mas tudo na literatura)

"Ora, o que a justiça quer é comer. Certo e sabido: vai-se ter com o Dr. Valério a Murça, e é logo:
- Você está cheio de razão, alma de Deus! Ponha a questão, que não há ninguém que lha perca. Se quiser, passe-me uma procuração, deixe trezentos mil réis para preparos, e o resto é comigo.
Um céu aberto. Até parece que a gente já está a ouvir o juiz. Mas depois é que são elas! Começa um moedoiro, de dinheiro, que não há bolsa que chegue. O advogado só diz:
- Então agora, que isto vai tão bem encaminhado, é que você se quer compor?!
E cantem para aqui mais cinco notas! O pior é que daí a um mês, zás: uma cartinha. «Senhor Fulano, é favor comparecer no meu escritório». Desce a gente de escantilhão pela serra abaixo, numas ânsias, a cuidar mil coisas. E o que há-de ser? «Tenha, paciência, isto não anda sem a mola real...»
Até que chega o dia da audiência. Aí, então, é como quem quer livrar um filho. Presente a este, presente àquele, tia Preciosa, pelo amor de Deus, diga a verdade e beba mais uma pinga. E para nada, afinal de contas, porque o outro advogado, que é um bandalho da mesma raça, embrulha tudo. «Ora explique-me lá isso bem explicado! Não minta...» A gente, quando se senta naquelas cadeiras, fica logo como há-de ir. Fazem-nos falar, apertam, apertam, e quem é que não cai? Tiram de nós o que eles querem. «Diga. Diga! Ora assim, sim! Vê como é tudo ao contrário do que pensava?!» Só visto! Ao fim, sai uma sentença que não é carne nem peixe, uma pessoa fica borrada, empenhada até às orelhas, e a dever favores até às pedras da rua."

Miguel Torga nos Contos da Montanha.



No comments:

 
Share