light gazing, ışığa bakmak

Sunday, February 15, 2015

literatura

o antigo diplomata encontra a criança melancólica. só posso agradecer a Tamen pela transparência.

"Não me ofereceu absolutamente nada acerca de La Revue de Deux Mondes, mas colocou-me algumas questões acerca do que haviam sido a minha vida e os meus estudos, acerca dos meus gostos, dos quais pela primeira vez ouvi falar como se pudesse ser sensato segui-los, quando até então sempre julgara ser um dever contrariá-los. Uma vez que eles me inclinavam para o lado da literatura, ele não me desviou desse caminho; pelo contrário, falou-me dela com deferência, como se fosse uma pessoa venerável e encantadora de cujo círculo escolhido, em Roma ou em Dresden, guardou a melhor das recordações e com quem infelizmente, em consequência das exigências da vida, tão poucas vezes se encontra. Parece invejar-me, sorrindo com um ar quase descarado, os bons momentos que ela me faria passar, a mim, que era mais feliz e livre que ele. Mas até os termos de que se servia me mostravam a Literatura como coisa muito diferente da imagem que eu dela concebera em Combray; e compreendi que tivera duplamente razão ao renunciar a ela. Até aqui apenas havia verificado que não tinha o dom de escrever; agora o senhor de Norpois tirava-me até tal desejo. Quis explicar-lhe o que tinha sonhado; a tremer de emoção, queria que todas as minhas palavras fossem escrupulosamente o equivalente mais sincero possível do que sentira e nunca tentara formular para mim mesmo; o mesmo é dizer que as minhas palavras não tiveram qualquer clareza. Talvez por hábito profissional, talvez por virtude da calma adquirida por qualquer homem importante a quem se solicita conselho e que, sabendo que terá na mão o domínio da conversa, deixa que o interlocutor se agite, se esforce, sofra à vontade, e talvez também para sublinhar as características da sua cabeça (grega, segundo ele, apesar das suíças enormes), o senhor de Norpois, enquanto lhe expunham qualquer coisa, mantinha uma imobilidade do rosto tão absoluta como se tivéssemos falado diante de um busto antigo - e surdo - numa gliptoteca. De repente, caído como o martelo do leiloeiro, ou como um oráculo de Delfos, a voz do embaixador que nos respondia impressionava tanto mais quanto na sua face nada nos fizera suspeitar do género de impressão que nele tínhamos produzido nem da opinião que ia emitir."

Proust, no vol 2 do Temps Perdu

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