light gazing, ışığa bakmak

Thursday, December 15, 2016

ainda I, Daniel Blake, por Valdemar Cruz no Expresso

Sabe quem é Daniel Blake? Porventura julgará que não. E, no entanto, Dan Blake está entre nós. Pode ser quem me lê neste momento. Um dos seus amigos. Um familiar. Um conhecido.Qualquer um desses homens e mulheres a quem a vida um dia desabou em cima e ficaram sem emprego. Ficaram sem vida. Ficaram sem apoios. Ficaram perdidos nos humilhantes labirintos de uma burocracia em cada instante determinada em anulá-los enquanto pessoas. O realizador britânico Ken Loach resolveu voltar a pegar na câmara de filmar e foi atrás dessas histórias e venceu a Palma de Ouro do Festival de Cannes/2016. “Eu, Daniel Blake” é o carpinteiro de 59 anos que nos apresentae com quem passamos a conviver. Leva-nos a acompanhar a história daquele homem de Manchester que, após um ataque cardíaco, é proibido pela sua médica de regressar ao trabalho enquanto não estiver estabilizado. Começam aí os problemas que o levam mais tarde a ter de gritar: “Sou um cidadão, não sou um cão”.Uma junta de invalidez não o considera suficientemente inválido para lhe dar uma pensão.

Face aos escassos rendimentos terá de ir trabalhar. Porém, como não tem autorização médica para trabalhar, é-lhe retirado o subsídio de desemprego. Pelo caminho conhece uma mãe solteira com dois filhos a cargo, mas não elegível para apoios sociais. Vão ambos conhecer em toda a sua crueza esta desumanizada máquina burocrática que olha para aquele homem e para aquela mulher apenas como números, elementos de uma engrenagem sem contemplações para com os mais pobres, os menos informados, os sempre excluídos. Aqueles que, por vezes, nem sequer espaço para a revolta encontram. Na sessão a que assisti aconteceu algo de insólito numa sala de cinema convencional. No final do filme, o silêncio era absoluto. Ninguém se mexia das cadeiras. Até que, timidamente, alguém esboça um bater de palmas. E depois mais alguém. E ainda mais alguém. Aquele bater de mãos passa a abafar a intensa emoção que daquela forma era libertada. Afinal, todos sabem quem é Daniel Blake.

No comments:

 
Share