light gazing, ışığa bakmak

Saturday, October 20, 2007

"A caleche" de Nikolai Gogol e o Kissel russo

Gogol, um ucraniano que escreveu em russo e que agora descubro por uma edição da Biblioteca de Editores Independentes, poderia fazer um paralelo com Eça ou com Zola. Não sei se faz, o seu humor mais negro e o sarcasmo, tão russos, descolam-no de outros autores mais suaves. A sua vida e, particularmente a sua morte, confirmam este sentido do trágico e da atracção pelo abismo que se adivinha nas suas personagens.

O livro "Contos de São Petersburgo" inclui dois contos considerados verdadeiras obras-primas, "O Nariz" e "O Capote". Por eles vale a pena comprar o livro. Eu, por aqui, deixo uma lembrança de "A caleche", o mais pequeno conto, uma breve narração de como a vaidade conduz facilmente ao ridículo. Neste conto, a caleche, objecto de glorificação de um pseudo-nobre sem valor, acaba por ser o que o desmascara. Um pequeno conto sem muita importância, do qual gostei, em particular das descrições iniciais. E como em toda a literatura russa, também este conto esteve à altura dos banquetes servidos: em descrição e em quantidade.

A tradução de Nina e Filipe Guerra pode ser um pouco confusa, por vezes, mas parece correcta, não posso avaliar. E como Gogol foi considerado praticamente intraduzível pela qualidade de som que dá às suas frases, fica-nos essa necessidade de exactidão no que é dito. Comparando com a versão francesa e com a versão inglesa, gostei de aprender, em português, que as panquecas de sêmola com o Kissel (pudim gelatinoso) de frutos silvestres eram tudo o que restava ao juíz e à viúva do diácono para comer, resultado do açambarcamento do grande banquete, que se preparava na casa do general.

E aqui deixo o Kissel, doce que se prepara na Rússia e em alguns países do chamado "leste". Acompanhando panquecas e natas adoçadas, uma cor no palato servida por Nikolai Gogol:
"Para o banquete, todo o mercado se esvaziou completamente de víveres, ao ponto de o juíz e mais a viúva do diácono se verem obrigados a comer panquecas de fagópiro e kissel de fécula de batata."

Descrito assim, não seduz nem garfo nem colher, mas se disser panquecas com gelatina de frutos silvestres...



Kissel de bagas vermelhas (do restaurante Moosewood)

2 chávenas de sumo de uva
1/4 chávena de açúcar
3 colheres de sopa de fécula de batata dissolvida em 1/2 chávena de sumo de uva
3 chávenas de morangos, lavados e cortados
2 chávenas de framboesas frescas ou congeladas
1 colher de chá de essência de baunilha

Juntar o açúcar ao sumo numa panela. Dissolver a fécula na mistura e levar a lume muito brando cerca de 10 minutos. Depois de ferver, mexer durante 5 minutos até o sumo ficar translúcido. Juntar os morangos e as framboesas e tirar do lume. Juntar a essência de baunilha e refrigerar durante pelo menos 20 minutos.

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