"Está doente, Julgo que não, senhor, Se não está doente, como explica então o mau trabalho que tem andado a fazer nos últimos dias, Não sei, senhor, talvez seja porque tenho dormido mal, Nesse caso, está mesmo doente, Apenas durmo mal, Se dorme mal, é porque está doente, uma pessoa saudável dorme sempre bem, a não ser que tenha algum peso na consciência, uma falta censurável, daquelas que a consciência não perdoa, a consciência é muito importante, Sim senhor, Se os seus erros de serviço são causados pela insónia e se a insónia está a ser causada por acusações da consciência, então há que descobrir a falta cometida, Não cometi nenhuma falta, senhor, Impossível, a única pessoa, aqui, que não comete faltas, sou eu, e agora que se passa, porque é que está a olhar para a lista dos telefones, Distraí-me, senhor, Mau sinal, sabe que tem de olhar sempre para mim quando lhe falo, é do regulamento disciplinar, eu sou o único que tem direito a desviar os olhos, Sim senhor, Qual foi a falta, Não sei, senhor, Nesse caso ainda é mais grave, as faltas esquecidas são as piores, Tenho sido cumpridor dos meus deveres, As informações de que disponho a seu respeito eram satisfatórias, mas isso, precisamente, só serve para demonstrar que a sua má conduta profissional destes dias não foi a consequência duma falta esquecida, mas duma falta recente, duma falta de agora, A consciência não me acusa, As consciências calam-se mais do que deviam, por isso é que se criaram as leis, Sim senhor, Tenho de tomar uma decisão, Sim senhor, E já a tomei, Sim senhor, Aplico-lhe um dia de suspensão, E a suspensão, senhor, é só de salário, ou também é de serviço, perguntou o senhor José, vendo acender-se um vislumbre de esperança, De salário, de salário, o serviço não pode ser mais prejudicado do que já foi, ainda há pouco tempo lhe dei meia hora de folga, não me diga que esperava que o seu mau comportamento fosse premiado com um dia inteiro, Não senhor, Desejo, para seu bem, que lhe sirva de emenda, que volte rapidamente a ser o funcionário correcto que era antes, no interesse desta Conservatória Geral, Sim senhor, Nada mais, regresse ao seu lugar."
José Saramago em "Todos os Nomes"
light gazing, ışığa bakmak
Tuesday, December 4, 2007
Escuta, Zé Ninguém
Publicado por Ana V. às 1:41 PM
TAGS Biblioteca de Babel
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