Comecei a ler, espasmodicamente, a Tarântula, um livro quase apócrifo de um Bob Dylan de 1966, se não me engano, e que o próprio escreveu, penso, de jorro. Notas tiradas à medida que eram debitadas, um caldeirão fervente. Acima de tudo é muito interessante ver como saem as ideias, bolhas e pingos e caldo, em bruto, que se vão enformar na música, ao longo dos anos. É literatura? Não sei, os poemas que se espalham ao longo dos "capítulos" são poemas, a prosa é livre. Não se trata de um romance, não é um livro de poemas, eu diria um diário, fio da consciência. Lê-lo é quase uma violação (de privacidade).
Ontem de madrugada, pela A1 (saltem já os olhos voyeristas), entrei num nevoeiro muito denso, o mais denso que encontrei nos últimos meses. Prolongou-se durante quilómetros, também pela zona de alargamento. Mal se via a estrada, apenas um risco descontínuo, nem as bermas, nada, uma névoa muito branca, brilhos na noite. Andar em frente às cegas, pensei que devia ser esta a sensação de um cego a descer a rua. O mais perturbador: a ideia de se andar quando se deixou tudo em casa, as redes de segurança, listas, as chaves, os cartões, o telefone. Andar sem nada nas mãos, nem casaco para o frio, chapéu para a chuva. Assim se anda cego, só, só. E no Amarcord também, de repente a solidão completa, um ou dois ou três contigo, dentro da tua cabeça só, e mais nada. (Quando eu morrer, quem carrega o caixão? Provavelmente nem haverá caixão e se o houvesse, alguém que nem sabe o poema que mais leste em vida, influências do Lay of the Land, me desculpe).
A cara 33, a cara de sucesso, a de superioridade, a de caridade, a de boazinha, a de profissional, a materna, a criançola, a eficaz, a zangada, a popular e a trabalhadora, a procuradora, a conciliadora, a pedinte, a educadora, a amiga, a triste e desenganada, a de insónia e a que se não mostra, a verdadeira. Quando em pé, como tu, se olha, vê-se o quê afinal? E quem, nessa altura, está contigo?
light gazing, ışığa bakmak
Monday, January 14, 2008
cara 33
Publicado por Ana V. às 11:55 AM
TAGS O espaço entre as notas, Stuff
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3 comments:
A Noite Americana
Eu continuo diante do espelho à procura ...
A noite americana... Mad, procurar é bom. encontrar... bom, nem sempre. aqui e ali. um beijinho
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