"Nada é repetível, tudo é repetente? Era o que eu perguntava na catequese. E mais buscava, em clareza:
- A vida, Santo e Deus, tem segunda via?
O Padre Bento não queria nem escutar: só a dúvida, em si, já era desobediência. Primeiro, ninguém descasca duas vezes o gergelim. Depois, vale a pena o pecado se confessável. E Bento avisava: não se entra no Céu de qualquer maneira. Aquilo lá, nos portões celestiais, requer devida licença. E mais eu perguntava: quem executa essa triagem, à entrada do paraíso? Um encartado porteiro? Um tribunal com seus veneráveis julgadores?
Passaram anos, persistiram enganos. E ainda por esclarecer me resta o assunto. É por isso que regresso ao senhor para que me escute, nem que seja por religioso fingimento. Se faça-me o favor, senhor padre, me diga: cuja essa entrada no Paraíso é à moda da raça, ou das cláusulas de sermos um zé-alguém? Os pretos como eu, salvo sou, apanham licença? Ou precisam pagar umas facilidades, encomendar um abre-boca nalgum mandante?"
Mia Couto, do conto "Entrada no Céu" no livro "O Fio das Missangas"
Às vezes, várias, variadas, faz bem.
light gazing, ışığa bakmak
Monday, January 21, 2008
morrer e ir para o "céu"
Publicado por Ana V. às 8:24 AM
TAGS Biblioteca de Babel, Mia Couto
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1 comment:
Estava a ler este post que me fez lembrar um post meu há uns tempos atrás, baseado num conto de H.G.Wells ( http://sol.sapo.pt/blogs/dsilva/archive/2006/12/12/CONVERSAS-COM-DEUS.aspx )
Bjs
Jimmy the Sailor
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