light gazing, ışığa bakmak

Monday, January 21, 2008

morrer e ir para o "céu"

"Nada é repetível, tudo é repetente? Era o que eu perguntava na catequese. E mais buscava, em clareza:
- A vida, Santo e Deus, tem segunda via?
O Padre Bento não queria nem escutar: só a dúvida, em si, já era desobediência. Primeiro, ninguém descasca duas vezes o gergelim. Depois, vale a pena o pecado se confessável. E Bento avisava: não se entra no Céu de qualquer maneira. Aquilo lá, nos portões celestiais, requer devida licença. E mais eu perguntava: quem executa essa triagem, à entrada do paraíso? Um encartado porteiro? Um tribunal com seus veneráveis julgadores?

Passaram anos, persistiram enganos. E ainda por esclarecer me resta o assunto. É por isso que regresso ao senhor para que me escute, nem que seja por religioso fingimento. Se faça-me o favor, senhor padre, me diga: cuja essa entrada no Paraíso é à moda da raça, ou das cláusulas de sermos um zé-alguém? Os pretos como eu, salvo sou, apanham licença? Ou precisam pagar umas facilidades, encomendar um abre-boca nalgum mandante?"

Mia Couto, do conto "Entrada no Céu" no livro "O Fio das Missangas"
Às vezes, várias, variadas, faz bem.

1 comment:

Jimmy The Sailor said...

Estava a ler este post que me fez lembrar um post meu há uns tempos atrás, baseado num conto de H.G.Wells ( http://sol.sapo.pt/blogs/dsilva/archive/2006/12/12/CONVERSAS-COM-DEUS.aspx )
Bjs
Jimmy the Sailor

 
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