light gazing, ışığa bakmak

Wednesday, January 16, 2008

A propósito de prepotênciazitas...

À minha cabeceira no momento, "O Homem Quebrado" de Tahar Ben Jelloun.
(as prepotências por aqui)

No escritório o contínuo mal lhe dá os bons-dias. Aqui, o calor do cumprimento não depende da graduação mas daquilo que o cargo rende a mais. Mourad é engenheiro. As suas funções no seio da administração são o estudo dos dossiers de construção. Sem o seu visto não há licença para construir. É um lugar importante e muito invejado. O seu título exacto é pomposo: "subdirector do planeamento, da prospectiva e do progresso". Era preciso justificar a sua qualidade de engenheiro formado em parte numa escola francesa e com o diploma de economia obtido na Universidade Mohammed V, em Rabat. Com o seu modesto salário sustenta a família, paga a escolaridade dos filhos, a renda da casa e ajuda a mãe. Não consegue. Vive a crédito graças ao merceeiro. Sabe que não pode ter um terceiro filho. Bem podem afirmar-lhe que todos os nascimentos são um capital, que Deus providencia às necessidades dos seres que cria, que Mourad fica intransigente e para pôr termo a essa discussão obrigou Hlima a usar um aparelho. Foi nessa altura que ela lhe disse, furiosa: " O teu adjunto é que é um homem! Ganha menos do que tu, vive numa excelente moradia, tem dois carros e os filhos vão à escola da missão francesa e ainda por cima ofereceu à mulher umas férias em Roma! Tu ofereces-me um aparelho e só se come carne de vaca duas vezes por semana. Quanto a férias, passamo-las em casa da tua mãe, naquela casa velha na medina de Fez. Chamas a isso férias? Quando é que te compenetras de que a nossa situação é miserável?"

"A minha situação é mais do que miserável", diz a si próprio. "Será culpa minha se tudo aumenta, se os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres como eu estagnam na pobreza?"

--
E quem disse que a arte tem de ser sempre pela arte, que o escritor, o da caneta , não tem de fazer nada senão escrever, que pensar e o ser lido não carrega consigo a responsabilidade de denúncia e de através da denúncia tentar alterar. A boa story-telling, contar histórias, tantas vezes um livro não é mais do que isso, e quando essas mesmas histórias apontam o dedo e dão a conhecer, melhor ainda. Também gosto de me entreter com a forma das linhas e gosto de seguir o som dos ús e dos és, mas... contar pelos dedos os dias até ao fim do mês. Estas contas adulteram o som das palavras. Saramago.

3 comments:

Anonymous said...

Boa noite Ana! Ora aí está um senhor texto que infelizmente dirá muito a muitos portugueses.

De momento estou a ler, entre outros, "Portugal, Hoje o Medo de Existir" do José Gil.

Ana V. said...

Olá Susana, eu prefiro ler de coisas distantes! :)) Um beijinho para ti.

Anonymous said...

Isto é que é uma pescadinha de rabo na boca ( salvo seja ). Carrego aqui e vou para ali, carrego ali e venho para aqui. Carrossel non stop e vale sempre a pena a viagem ( o Saramago era escusado, mas isso é outro assunto )

Abraço livre

do anónimo do costume

P.S. - A vantagem de viver em Portugal é que ainda podemos dizer mal do Bush sem medo de ser invadidos pelo medo de ser invadidos pelo medo de ser invadidos pelo medo de ser invadidos. ( Evasão ...........)

 
Share