Dois aspectos de relevo logo de início. Primeiro, A Barraca é uma instituição e entrar no edifício sem o peso da sua história é impossível. Há um respeito qualquer que se impõe: por ali já se passou muita coisa. Em segundo lugar, noto que apesar deste Conto aparecer em todas as agendas culturais e mais algumas, um labirinto delas, pouca coisa há online que diga de facto alguma coisa. Colagens de um anúncio.
O bar d'A Barraca é um local antigo, cadeiras velhas, paredes e janelas passadas. O chão range. Mas deve ser dos lugares mais agradáveis de Lisboa. Ali, não mudava quase nada. Talvez mais fotografias dos espectáculos passados. Gostei de ver a foto de grupo que incluía a Maria do Céu Guerra e o Mário Viegas. Gostaria de ver mais, até porque a história do teatro em Portugal não se escreveria da mesma maneira sem as pessoas que passaram naquele espaço.
Por outro lado, a Barraca é uma espécie de Hot Clube: o conteúdo é o melhor que pode haver, o embrulho é terciário, para não dizer no fim da fila. São opções. Pessoalmente penso que os dois aspectos podem ser conjugados, mas numa época de tanto embrulho e tão pouco sumo, não faz mal beber um sumo sem açúcar de vez em quando, muitíssimo metaforicamente falando.
O Conto da Ilha Desconhecida é baseado na história de Saramago com o mesmo nome (aqui). O primeiro desconcerto foi os actores lerem o texto tal e qual como está. A narração não foi transformada em diálogo para o palco, cada personagem se narra a si própria. Se é desconcertante e não ajuda os miúdos espectadores, é sempre bom ouvir um texto tal e qual, sem cortes nem resumos. Que miúdo de quatro anos sabe qual o significado de petição? Um contra. Por outro lado, qualquer miúdo de quatro anos que aprenda o significado desta palavra pelas mãos de Saramago n'A Barraca é um miúdo de sorte. Concordo com a ideia de que o baixar da fasquia, reino televisivo, estupidifica e contrai o vocabulário a uma fala de Rambo.
Os actores são todos excelentes, gostei muito e voltava trezentas vezes (trezentas e uma). A história é boa. Os figurinos são bons mas não ganhavam "óscar", na minha mais que humilde opinião. Do que gostei menos, do cenário. Comparo-o com os cenários muito elaborados que o TIL já fez ao longo da sua história. Talvez bem em teatro de adultos, menos bem em teatro para crianças. Mas este sempre foi um projecto itinerante e esta "casa", neste caso esta embarcação, é fácil de transportar, o que não aconteceria de outro modo. Ao longo da história que eu já conhecia há partes que tomam uma nova vida: o capitão é hilariante, o homem que quer descobrir a ilha desconhecida é muito simpático, talvez mais caloroso do que a personagem no papel. Bom trabalho de Sérgio Moras. As vozes que fazem os sons são uma boa ideia para a banda sonora.
Resumindo: gostámos, vamos voltar.
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