Ando sempre com o rádio ligado, tenho necessidade de ouvir vozes continuamente. Pensando bem, estou sozinho há cerca de dezasseis anos. Talvez por isso goste de ouvir fios de pensamento, argumentos, contra-argumentos e expressão de ideias, por muito insignificantes. Enquando os ouço, esqueço-me dos fios de pensamento que eu próprio não tenho. É um esquecimento temporário, nada como a evasão ausente dos escritores que vivem e se movimentam-se dentro da sua própria cabeça. É lá que tudo se passa, as paisagens se desenrolam, o tempo passa. Vive lá gente, o outro lado do mundo ou a esquina da rua, cabe lá tudo, incluindo vendedores de seguros como eu, que esta classe sempre deu boas personagens. Mas não tenho nada a ver com isto. Nem invento histórias nem sou ficção, sou mesmo eu próprio.
Há dezasseis anos atrás tentei compensar o isolamento como o fazem tantas outras pessoas confrontadas com situações semelhantes, ou seja, mudando-me para dentro da minha própria cabeça, mas quando entrei não encontrei nada senão o silêncio. Nunca tive nada para dizer. A prova é que quando era novo fui objecto da solidariedade de uma prima empenhada que, sentindo pena da minha falta de assunto, se dispôs a treinar a minha capacidade de fluência para impressionar raparigas. O exercício era simples. Ela dava-me uma frase como "gostei do modo como disseste isso" e o meu trabalho de casa era expandi-la num parágrafo inteiro de pelo menos dez linhas. No princípio foi doloroso, eu estava pouco habituado a falar, quanto mais a puxar frases vácuas por cima de frases vácuas. Acabou por resultar, para minha surpresa e até dela, embora o resultado se tenha virado contra mim. Tornei-me perito em conversar sem dizer nada durante um longo período de tempo. Com a continuação, isto levou a que eu pensasse ainda menos do que no início. O silêncio tinha apenas inchado, mas bastava-me uma palavra ou uma expressão para eu disparar imediatamente em linhas aparentemente lógicas que, quando vistas de perto, eram totalmente inúteis. Esta particularidade persegue-me até hoje e se me ajudou bastante na actividade seguradora não posso dizer que o mesmo tenha acontecido nas áreas supostamente significantes da vida. Os pacotes de açúcar estão para além da bajulação, são concretos e directos o suficiente para me travarem o delírio.
light gazing, ışığa bakmak
Sunday, March 15, 2009
caderno de coleccionador
Publicado por Ana V. às 6:10 PM
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