light gazing, ışığa bakmak

Sunday, December 27, 2009

diário

para mandar um beijinho à Sandra porque me fez pensar nisto.


tenho uma caixa secreta e desmaiada, no canto do outro quarto onde está frio, colada toda com fita-cola da mais larga para que abrir demore mais do que segundos e seja necessária uma tesoura, ou uma faca. dentro tesouros que eram da memória, como se a química falhasse, e falha, mais do que o papel. são átomos diferentes, se calhar, com vidas paralelas mais desfazadas no tempo e uma delas com restauro possível. e os primeiros tinham um fecho que costumava ser dourado, as minúsculas chaves que nunca duraram mais do que sete dias como o pastor mas em diferente escala. e cadernos também colados, umas páginas mais do que outras, festim de fita-cola e assim sei que ali se passou qualquer coisa. gordos de fotos e recortes, uma cola arcaica do outro século em que desfazer era tão mais difícil, o compromisso com a escolha era quase definitivo ou métodos radicais seriam chamados. se não se quisesse esta cara nesta página como desfazer a cola, como pelar o papel mantendo intacta a página. mas assim se aceitava a decisão. agora leio diário e começo logo a dissecar as letras e a cortá-las em fatias, a dispô-las assim e assado para ver o que delas consigo semear. agora não há caixa para ver, são todas elas letras no espaço a perseguir fios invisíveis e linhas e qualquer um as vê e vai embora, encontrões sem ombros entre lixos espaciais, um ruído comunitário onde o face-a-face com o papel passou a aceno ligeiro de transporte lotado entre a baixa e as avenidas novas. em quanto espaço branco viajamos na deriva das nossas mil caras e quem nos encontrará.

cá está a nostalgia possível da meninice.

6 comments:

Sandra Medeira said...

eram livros, hoje perdidos, mas as imagens, as ideias, os sentimentos pertencem-nos :)

Ana V. said...

ora bem ! :) beijinho para ti

Tozz said...

tenho memórias e passado aqui ao lado - outras almas reduzidas as cinzas e pó.
Horas a mais no silêncio.
Pertenço a nada. querer algo mais é suficiente quando se lê outra página.
Nem o vento lá fora é o mesmo de outrora.
:))

Ana V. said...

:))) que fixe, Tozz!! gostei de outras almas aqui ao lado, mais que perfeito. :)

Ana V. said...

O que eu admiro nos seus textos literários, Ana, é a aparente facilidade com que constrói um pedacinho de excelente literatura. Assim como se estivesse a compilar uma receita de um dos seus bolos ou cozinhados ou a anotar uns tantos pensamentos ligeiros nos quais, lidos atenta e interessadamente, descobrimos joiazinhas brilhantes e coloridas. Ohpps!
Berlino

Ana V. said...

Berlino, obrigada :)
não sou fundamentalista nem da gramática e nem do dicionário.. às vezes nem sequer da inteligibilidade. continuação de boas festas!

 
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