light gazing, ışığa bakmak

Friday, January 29, 2010

antigamente

era assim. quase a cada dia um equívoco. porque parecia que se urdiam planos imensos nas costas de toda a gente e porque cada sílaba estava em lugar de unhas muito longas, e provavelmente pintadas de uma qualquer cor desde que fosse negra e brilhasse fulminante, afiadas em movimentos descompassados por cima das cabeças como uma sombra zeppelin. cada um sua língua, crescia uma torre sem controlo na carpete da sala de estar. comecei a soletrar len-ta-men-te. e nada. era assim, antigamente.


no outro dia disse que gostava de palitos la reine (lárréne). disse sem querer, porque lhe passou pela ideia, porque talvez até bebesse um chá nesse momento. nada definitivo como aquele discurso governamental. no dia seguinte estavam lá, no prato, gloriosamente lárréne. e no outro dia e no outro. antes de sábado é verdade, mais do que previsível, fatal podia dizer, o mais subtil aroma de baunilha a indispunha, náuseas, mal-estar. é porque pouca coisa fica e mesmo essas se vão floreando.

2 comments:

Berlino said...

Eis um pedacinho de literatura que se saboreia como um palito lárrene. E vem ao caso dizer porque é que os palitos La Rene da infância tinham aquele sabor tão diferente de todos os outros bolinhos que existiam. De qualquer modo era a minha avó Elisa que tratava disso. Eu limitava-me a fazê-los durar o mais que pudesse. Quero dizer: chupava-os mais de que os comia. Enfim, Ana, recordou-me estas coisas mortas, não sei se para bem se para mal.
O seu texto é, pelo menos, tão bom como esses evocados palitos lárrene. E fez-me pensar noutra coisa para além dos biscoitos e da minha saudosa avó Elisa. Fez-me pensar que a escrita convoca sempre duas memórias que se justapõem, que se confundem, que se mesclam: a memória da nossa vida e a memória das nossas leituras. Aqui, por exemplo, "senti" a memória de uma Lídia Jorge e, imagine, de uma Virgína Woolf dos bons tempos de Mrs. Dalloway. Bah! E que importa. A literatura também convoca palitos lárrene, n'est ce pas?
Um bom dia, para si, Ana!
Berlino

Ana V. said...

Olá Berlino! Não é literatura, mas qualquer coisa que faça recordar a (uma) avó, já marcou pontos :) Bom fim-de-semana,
Ana

 
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